sexta-feira, 17 de novembro de 2017

UM MENINO ESPECIAL


O menino tem uns olhos grandes, serenos, não se sabe se perdidos em algum longe desconhecido. O cabelo, sempre cortado a preceito - não fossem o pai e a avó cabeleireiros -, é dum castanho bem claro e faz um remoinho brincalhão no alto da testa. A pele é lisa e sedosa, como compete a qualquer criança, e duma brancura de leite morno. Os dentes de cima são um pouco salientes, como os da mãe, o que lhe dá um ar malandro. As mãos são delicadas, finas como os braços e as pernas. Está sempre muito bem arranjado, com roupas e calçado lindos e confortáveis, e rodeado de divertidos peluches.

O menino habita um corpo frágil, confinado a uma cadeira de bebé, pois não consegue aguentar-se por si, mas a cabeça, repousada no encosto, mexe-se quando é o caso, para seguir um som, um movimento ou, quem sabe, uma imagem. E pisca os olhos, em  alvoroço, quando alguém se lhe dirige num tom mais efusivo. Não sei se é susto, espero que não. Abre-se num sorriso feliz - parece feliz e assim desejo - quando ouve o nome pai, mãe ou avó. É lindo de ver, porque diz mais do que as suas palavras ausentes conseguiriam.

O menino é tranquilo, não chora, nunca o ouvi chorar! Ouvi-o, sim, balbuciar, como quem tagarela ou chilreia. 

O menino é lindo e suscita amor. E amor é o que o menino recebe. Da avó - que o cuida com o esmero devido à mais bela preciosidade -, do pai - que sempre esteve lá e o segura com o enlevo duma infinita ternura -, da mãe - duma forma aparentemente mais desprendida -, e das pessoas que com ele vão convivendo, como é o meu caso, enquanto cliente do cabeleireiro da avó - onde trabalham o pai e a mãe, esta esteticista, e onde o menino passa os dias. 

Há quase oito anos, o menino desceu a este mundo, com uma antecipação de cerca de três meses em relação ao previsto, ou seja, nasceu por volta do sexto mês de gestação. A mãe, então uma jovem de pouco mais de vinte anos, contou-me que, quando o médico lho apresentou, mal excedia o tamanho da sua mão e parecia um pássaro, o que lhe desencadeou uma reacção de fuga. Devo dizer que fiquei espantada e comovida com a franqueza e a coragem do seu relato. O pai terá aceitado melhor a situação. A avó foi sempre o grande esteio.

Logo a seguir ao nascimento, o menino teve de sofrer uma violenta intervenção cirúrgica. Sobreviveu. Crê-se que, algures no processo de tão atribulado nascimento, terão ocorrido lesões cerebrais irreparáveis. Daí a situação do menino. De resto, ao longo da sua curta vida, já foi sujeito a outras intervenções.

O menino é 100% dependente de cuidados alheios, mas isso não faz dele uma carga. Pelo contrário, faz dele uma preciosidade. É tão amado, o menino!

Interrogo-me, muitas vezes, sobre os pensamentos do menino, sobre os seus sentimentos, as suas visões e impressões. Sinto, tenho quase a certeza, que a sua mudez e imobilidade escondem um mundo muito rico, ao qual, infelizmente, não podemos aceder.

Confabulo com a ideia de que o menino é um anjo.

Penso, frequentemente, que o mundo seria um lugar bem melhor se todas as crianças proporcionassem e recebessem o amor que o menino desperta e recebe.

Os pais do menino já não estão juntos, cada um construiu uma nova relação e deu-lhe um irmão - desta vez, crianças saudáveis.

O menino chama-se Tiago. Não o vejo como um menino deficiente, mas como um menino especial, muito especial.








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