segunda-feira, 24 de outubro de 2016

OLHAR, SORRIR, PARTIR!



Esta história - de que, aliás, já falei por aqui - podia chamar-se, Olhar, Sorrir, Partir (ou, simplesmente, O Enigma). Começou com uma troca de olhares, acompanhada duma troca de sorrisos.

Mas vou começar pelo princípio.

Aconteceu já lá vão uns vinte e tal anos, não sei exactamente quantos.

O amplo espaço começou a encher-se de pessoas, mal as portas se abriram, como se todas ansiassem por um pouco de conversa, um café, esticar as pernas, tossir à vontade ou qualquer outra coisa igualmente simples e previsível, dada a natureza do espaço e do acontecimento.

Numa mínima fracção de segundo - que estas coisas acontecem sempre nesse espaço de tempo -, o meu olhar, distraído da conversa com os amigos que me acompanhavam, cruzou-se com o de um homem, não muito alto, que também convergia para o átrio. Sorrimos ambos, com a franqueza, a simpatia e a cumplicidade dum conhecimento antigo, protegido da distância, de qualquer espécie de distância (espacial, temporal ou qualquer outra).

Ele prosseguiu, com a senhora que o acompanhava, eu continuei com os meus amigos, e - como viria a descobrir pouco depois - ambos ficámos um pouco abstraídos, na resolução do enigma criado (bem, eu fiquei). As portas voltaram a chamar-nos para dentro, retomámos os nossos lugares, desfrutámos o que tínhamos a desfrutar e, no tempo próprio, voltámos a rumar ao átrio ou salão-átrio.

Quis o acaso, ou outro qualquer fenómeno insondável, que os nossos olhares voltassem a cruzar-se, que os nossos sorrisos se trocassem de novo, espontânea a abertamente. Estávamos, agora, mais perto, e ele avançou para cumprimentar e apresentar a mulher. Não podíamos adiar mais,  tornava-se imperioso adiantar os nomes. Tomei a iniciativa da confissão. Exibindo um à vontade conquistado à custa sabe-se lá de quantas penas, encarei-o, sorridente, e disse, - peço desculpa, mas não estou a lembrar-me donde nos conhecemos! Também mantendo o sorriso, respondeu-me que o mesmo sucedia com ele. Começámos a enumerar as terras de nascimento, os locais de estudo, de morada e de trabalho, e tudo o mais de que nos lembrámos, para mutuamente concluirmos não nos conhecermos de lado nenhum… Não garanto que, por essa altura, não tenhamos experimentado um certo incómodo ou falta de à vontade, mas, se assim foi, disfarçámos airosamente com o sorriso - esse nunca se esbateu - e com uma frase do tipo, - bem, então muito prazer em conhecê-lo(la). Fiquei a imaginar a cena que a mulher lhe deve ter feito, - estás parvo ou a fazer-te de parvo?, deve ter sido o mínimo que o desgraçado há de ter ouvido ao longo do resto da noite, quem sabe se com direito a prolongamento por mais alguns dias!

Cada um seguiu o seu caminho, e, talvez porque não houve mais nenhum intervalo - no espectáculo, já nem me lembro qual, a que assistíamos, na Fundação Calouste Gulbenkian - não nos voltámos a cruzar, o que é dizer, não voltámos a sorrir um para o outro. 

Nunca mais o vi. Por mais que me tivesse obcecado na exploração de todas as circunstâncias em que o pudesse ter conhecido, nunca cheguei a desvendar tal enigma. Curiosamente, apesar do tempo decorrido, mantenho uma memória - breve e difusa, é certo - do seu rosto e, sobretudo, do seu sorriso. Se fosse dada a creditar em fenómenos dessa natureza, iria concluir que nos tínhamos conhecido e sido próximos - amigos, familiares... - numa vida anterior. 






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