sexta-feira, 13 de maio de 2016

O ASSASSINATO DA MORTE


Nunca deixará de me intrigar e espantar o facto de a Humanidade ter assassinado a morte. Depois varreu o cadáver para debaixo do tapete. E não se falou mais nisso.

Acredito que a agressividade existente em nós - não raro disfarçada de gentileza... - radica no medo (medos vários, entenda-se). Em relação directa, quanto maior o medo, mais acentuada a agressividade. Por outro lado, quanto mais atávico o medo, maior o desnorte da agressividade.

Ora, que maior e mais atávico medo enfrenta a Humanidade senão esse ignoto destino, tão certo quanto (aparentemente) definitivo, que é a morte (essa porta que se fecha sobre o conhecido, abrindo-se para sabe-se lá o quê)? Talvez aí resida a razão do assassinato da morte, acto de agressividade suprema, justiça de Talião, olho por olho... morte por morte.

A perspectiva individual da morte revela-se bem mais versátil. Ao menos, enquanto abordagem conceptual e reactiva. Desde o partilhado medo comunitário ao anseio romântico duma idealizada fuga ou libertação, desdobra-se um largo espectro de abordagens intelectuais e emocionais. Mais ou menos lúcidas e, por vezes, até lúdicas. 

Uma coisa permanece, todavia, certa. Só quando ela, a morte, expressamente se anuncia, com a precisão/ameaça duma bomba-relógio, mais segundo menos segundo - permitindo um dado tempo de adaptação à ideia realizada, luxo ou perversão (depende dos pontos de vista), que nem sempre concede - é que se pode testar a reacção do eleito

É este, porventura, o momento mais crítico de revelação da natureza duma pessoa. A reacção lúcida é, quer se queira quer não, uma marca de heroísmo, (simplesmente?) porque foge ao padrão do pavor atávico colectivo (apesar do mesmo? E apesar de certas cedências implicadas...). Refiro-me à opção por enfrentar a morte, retirá-la debaixo do tapete, falar-lhe cara a cara, inclusivamente, antecipá-la (surpreendê-la pela antecipação). Em vez de se negociar com ela, escondendo-se no desespero e na dor de tratamentos absurdos e no fingimento de esperanças improváveis. Talvez seja outra forma de assassinato da morte, talvez assim a morte se sinta duplamente assassinada.

Vem esta breve e vaga reflexão a propósito de dois magníficos documentos que, recentemente, passaram por mim (ou em mim), um, o texto do recentemente falecido Paulo Varela Gomes, Morrer É Mais Difícil Do Que Parece, sobre a forma como decidiu, estoicamente, enfrentar a sua morte para breve anunciada; o outro, do domínio da ficção, versando sobre idêntico tema, o filme Truman.

Aqui os deixo, para quem, ao menos enquanto não é rondado mais de perto pela mesma - depois, só depois, se verá -, não se rende ao assassinato social da morte. E junto uma fotografia, porque sim.
O texto:

http://www.caritas.pt/site/lisboa/index.php/destaques-principais/620-morrer-e-mais-dificil-do-que-parece-o-texto-de-paulo-varela-gomes
O filme:


A fotografia:







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