quinta-feira, 24 de março de 2016

DESCIDA A CAMINHO DO CÉU!


Há quem diga que, a partir de certo ponto, é sempre a descer. Não deixa de ser verdade, aliás, nenhuma generalização deixa de o ser, ou melhor, de conter em si uma margem de verdade (e o seu contrário...). Mas sempre restará saber o que é a verdade!

Atrevo-me a ignorar o que se diz. Porque há descidas que seguem a ascendência do voo. Mesmo sem asas. Basta-lhes o vento e o ímpeto. O ímpeto gera o vento que transporta o ser, mesmo desprovido de asas. Até porque as asas não servem apenas para voar, também transportam o peso das penas. Peso pesado, muitas vezes.

Concluindo, há descidas gloriosas. Descidas com voo anunciado. A caminho das alturas.

E sempre existirá a liberdade de ver o filme ao contrário...













(Fiz estas fotos, há dias, na gloriosa Praia Grande, Sintra, Portugal)







domingo, 6 de março de 2016

BONJOUR NOSTALGIE


Entro na Pastelaria e deparo-me com o balcão repleto de caixas de amêndoas, de todas as espécies, feitios e cores. A minha atenção centra-se numas, as de licor, Bonjour, fabrico nacional (da Arcádia) - as melhores do mundo, dentro do género, assegura o Sr. ?, não lhe sei o nome, é o dono do local e saúda-me sempre com grande simpatia de vendedor esperto. 
Não que sejam as minhas preferidas, mas conduzem-me numa viagem ao longe da infância ida. A um tempo de doçura.
Plena Páscoa, talvez sexta-feira santa, talvez sábado - a memória não garante, apenas sabe que era em dia certo. Rodopio no jardim, agitada por uma inquietação boa, deve estar quase a chegar. O facto de não ser surpresa não retira a alegre excitação da espera. Eis que aparece, o mensageiro da certeza feliz, com os braços redondos do volume transportado. Não sei quem é - ou não recordo quem é -, mas sei quem o mandou e sei, definitivamente, o que traz, e que é para mim.
Aposso-me do belo e grande embrulho, da Pastelaria Gomes, levo-o apressada e entusiasticamente para a sala de jantar, pouso-o sobre a enorme mesa quadrada, madeira maciça, cor de caramelo, sob o olhar sério do Cristo, presidindo à Última Ceia, numa das paredes, mas o décor não interessa... Faço saltar o papel e tenho o prazer de ver surgir o enorme pão-de-ló, tão grande que me parece do tamanho dum pneu, decorado com miríades de amêndoas de licor, tão vivas nas suas múltiplas cores, tão formosas nos seus encantadores desenhos, feitas bebés, pássaros, frutos, cântaros de bordos trabalhados... Um deleite, o deleite!
Não me lembro de apreciar particularmente pão-de-ló (afinal, a Mãe fazia iguarias tão melhores!) ou, mesmo, aquelas amêndoas, mas isso era questão de somenos. Talvez já nessa altura me movesse muito para além das questões utilitárias e dos interesses. Gostava, mesmo, era daquela espera, a espera dum presente anunciado. Depois, gostava do presente em si, de como era belo e lúdico, de como contava histórias com todas aquelas delicadas e coloridas figurinhas, para mais, doces. Finalmente, gostava de quem mo tinha enviado, o meu Padrinho. Sim, gostava muito dele.
Mesmo após ter mudado de cidade, já quase a passar a adolescência, ainda me mandou o Folar, pelo correio, uma ou duas vezes. Depois a vida seguiu o curso da idade adulta e cessou a tradição. O que não cessou foi a alegria proporcionada por aqueles momentos. Permanece em mim tão acessível quanto os folares não consumíveis (objectos de prata) que me ofereceu antes daqueles, numa idade em que ainda não podia aperceber-me do valor das construções que, apesar da sua materialidade efémera, encerram um simbolismo que permanece muito para além da vida dos metais preciosos. Porque os laços em que se tecem são, afinal, os que desenham a trama do nosso alimento espiritual. Chamam-se afectos e nunca morrem, quer dizer, morrem connosco. 
O meu Padrinho já não está por cá, mas isso não é razão para não lhe dedicar este texto. 












quinta-feira, 3 de março de 2016

DOZE DESENHOS



Um caderno iniciado nos idos de 2000 e retomado há pouco. Longo hiato entre os primeiros (cinco) e os últimos, apenas três com título. Como ele, muitos outros pairam por aí, começados, interrompidos, recomeçados (ou não)... Para não falar nas inúmeras folhas soltas, com a marca de riscos vários, feitos desenhos, vindas de há não sei quanto tempo. Um padrão de qualquer coisa. Matéria para ensaio ou ponto de partida para biografia, real ou imaginária. É só isto.







(Vladimir Blue deambula pelo Parque da cidade)



(A carne já não mora aqui)

(Desvendando os pensamentos da senhora que se deixou apanhar)