segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

IMUNIDADE


Naquele dia - o dia de ontem, hoje ou amanhã-, os teus olhos divagavam, abstractos, na poeira que dançava à tua frente, animada por um inusitado raio de sol.


Bem vistas as coisas, os teus olhos perdiam-se para além da fina onda de poeira fracamente iluminada, como se procurasses alguma coisa há muito perdida ou há muito ansiada.

Pensamentos vários - de que, aliás, nem chegavas a tomar consciência -, confundiam-se com o panejamento urdido pelos etéreos dedos da poeira flutuante, como se uma orquestra reunida ao sabor do acaso.


O acaso, curiosamente o acaso! Não seria o acaso a raiz dos teus pensamentos?

Embarcavas numa maré de recordação, recordação do que poderia ter sido, misturada com a recordação do que poderia vir a ser, assim tipo, e se as coisas tivessem sido de tal modo?, quem sabe como virão a ser as coisas?

Sorriste, amparada pelo abraço da racionalidade, tua amiga e protectora de sempre, único valor seguro - ou talvez não, afinal tudo é o que é e o seu contrário e, na síntese, nada é ou é tudo...


Uma luz muito mais intensa e reveladora do que a do parco raio de sol que comandava a dança da poeira à tua frente ilumitou-te, qual aparição,  e segredou: o passado não passa dum futuro retrógrado, com presença relâmpago no momento auto-instantâneamente-consumido, portanto, nulo, do presente.

E se, afinal, não passasses, não passássemos,  de espantalhos plantados em campo aberto, no exacto ponto de  aleatório cruzamento duma maré de passados/futuros, a acontecer/acontecidosÍmanes predeterminados, na confluência do que calhar? Foi o que pensaste.

Entretanto, a poeira ía esmorecendo, à medida que o sol caminhava para lua, era aquela hora de transição, de que, aliás, tanto gostas - ou, segundo as últimas revelações, tanto te tinha/terá calhado gostar.

E lá estavas tu, os olhos num sorriso, já para cá - o mesmo é dizer, definitivamente para lá - da poeira, da poeira do tempo, quero dizer.

Imune.











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