domingo, 27 de setembro de 2015

ONDE O SOL NASCE (II)

(continuação)

A noite de vinte e um para vinte e dois de Outubro de 2012 não foi para dormir. Chamava-me o voo n.º 2325 da Air France, com destino a Paris, escala para o voo n.º 276, também da AF, rumo a Narita. Impunha-se comparecer no aeroporto por volta das cinco da manhã (hora a que, habitualmente, ainda só tenho duas ou menos horas de sono). E não era tudo, falta referir o factor agitação: como iria conviver com cerca de onze horas de voo, sem contar com as do voo de escala? Como funcionariam as coisas por lá? Estariam à minha espera, como combinado (e pago) para me transportarem ao hotel? A horas? Falariam minimamente inglês e perceberiam o meu inglês de viagem? Os hotéis seriam bons? Os tours de que se compunha a viagem, cada um independente dos restantes, funcionariam bem? Pelo menos, tinha conseguido aniquilar a ansiedade devida à síndrome da perda da mala de viagem. Reduzira tudo, milimetricamente calculado, a uma mala de cabine, acção em que me tornei perita desde que, a caminho duma volta pela Escandinávia, me perderam a bagagem, logo no voo de ida, sendo que a mesma continha um guarda-roupa extensivo a todas as estações do ano (de difícil substituição), dadas as (previsíveis e imprevisíveis) condições climáticas a atravessar. Vá lá, apareceu de madrugada, precisamente antes do início do tour. E, sendo a primeira, não foi a última vez que me extraviaram os pertences, motivo de considerável trauma, embora circunscrito aos percursos de ida (nos de regresso, são livres de desviar seja o que for, quero lá saber).

Recolhi à cama pelo fim da tarde da véspera, para me levantar às duas e meia da manhã, a fim de cumprir, a tempo e à vontade, a primeira parte do percurso, chegar ao aeroporto (que, para mim, já é porto seguro, e, sim, demoro imenso tempo a arranjar-me). 

Adoro o ambiente dos aeroportos! Aí começa o estado de graça, que qualifico de em trânsito e representa, para mim, o quid que traz tanto interesse às viagens, ao acto de viajar. Viajar é uma espécie de vida dentro da vida, só com as coisas boas da vida - em princípio. O andamento, a quebra das rotinas, o desconhecido, a agitação, o anonimato, a não pertença, enfim, a liberdade no seu esplendor máximo, um campo aberto de possibilidades, talvez mesmo de possibilidades de impossível… 

O táxi entregou-me ao Aeroporto (de Lisboa) pouco antes das cinco da manhã, pronta para dar início à AVENTURA!

Momento para cumprir o que já se me tornou um ritual, poisar no pequeno Café do Harrods, para um café e talvez um croissant, enquanto observo à volta. Ali comecei a escrever a tal espécie-de-diário-de-bordo, de que agora me socorro, para alinhavar esta partilha.


O instrumento de registo era um belíssimo caderno reversível (dois em um, uma parte pautada, a outra lisa, papel reciclado, cor e textura daquele pardo delicioso, e, sim, adoro cadernos!), adquirido na loja da Tate Modern, quando duma curta visita a Londres, em Dezembro do ano anterior. Nele registei o único - e, aliás, péssimo - desenho da viagem. 






Pelas nove e meia (hora local), após um voo pontual e descontraído, aterrei no Aeroporto Charles de Gaulle (Paris), tendo-me dirigido ao Terminal da partida para Tóquio (mais precisamente, Narita), onde, mais tarde, enquanto aguardava a hora do embarque, comi uma salada e bebi uma coca-cola 0, tendo resistido triunfalmente ao apelo dum magnífico bolo (que a magia negra corporal de transformar doçuras em calorias e estas em quilos não favorece ninguém). 



Não isenta dum cansaço inicial (madrugar não é comigo!), surpreendi-me com a calma clean do local, movimento reduzido, bulício em estado de adormecimento. Nem parecia o ponto de passagem que é! Certamente fruto duma qualquer coincidência de aterragens, ou melhor, da sua falta. Espaço e calma, pois.

Passeei-me, para constatar que as lojas deste Terminal são carérrimas, tudo de marcas XPTO, ainda bem, também não tencionava fazer compras. Já foi tempo em que o apelo ao consumo exercia em mim alguma influência, apesar de nunca ao ponto de me conduzir a excessos, bem, a excessos irracionais, quando muito, um relógio, uma carteira, um perfume, para lá da conta. Agora, nada. Invocando Luís de Camões, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…   

Avistei uns japoneses, que, certamente, seriam meus companheiros de voo. Pensei, estou aqui, estou a meter conversa com um deles, para obter melhor orientação lá para Tóquio. Se não for aqui será no avião, sou menina para isso

Entrei numa (talvez a única) loja mais acessível, L´Air de Paris, vi qualquer coisa que me interessava, eventualmente uma carteira, mas não, não comprei nada.

Não tardou, embarquei, a horas, numa viagem que correu bem, embora muito cansativa. Isto de passar cerca de onze horas e meia num avião, em classe económica e, para cúmulo, lugar próximo da zona de preparação das refeições e duma casa de banho, não era propriamente o que o corpo reclamava. Não me consegui concentrar no écran à frente, nem tão pouco dormir, excepto dois curtos períodos de cerca de uma hora cada. Mas, que importava? Importava mesmo era o destino!

E assim cheguei ao Aeroporto de Narita, a cerca de 60 Km de Tóquio, por volta das oito da manhã do dia vinte e três.

Logo no Controlo de Passaportes/Alfândega fiquei agradavelmente surpreendida com a educação, organização e eficácia dos funcionários, impressão que viria a manter ao longo de toda a viagem, mediante os diversos contactos estabelecidos com japoneses, desde funcionários dos hotéis a taxistas, passando pelos empregados das lojas e transeuntes - como foi o caso daquele senhor que, não só me indicou o itinerário e estação de metro pretendida, como me acompanhou à bilheteira, efectuando a operação de compra do bilhete.

Aguardava-me o funcionário do operador de viagens local, já acompanhado dum casal espanhol - a Zuleima e o Elias - e duma mãe e filho venezuelanos - a Miriam e o Andrés -, destinados ao meu tour, todos muito simpáticos. Era um senhor magro e macilento, já de idade avançada (talvez setenta anos), que não parava de sorrir e de limpar a transpiração que lhe encharcava a testa, tal a humidade suspensa no local.

De Narita a Tóquio foi uma viagem de autocarro, de cerca de hora e meia, que aproveitei para me familiarizar com o cenário. Nem sempre o caminho dos aeroportos às cidades nos oferece panorâmicas interessantes, o que pode causar uma má impressão inicial, fonte de desânimo ou de má vontade. Não foi o caso. Nos primeiros momentos, vi desenrolarem-se à beira da estrada árvores frondosas, proporcionando uma agradável sensação de frescura e limpeza; seguiu-se um cenário de casas esparsas, não muito interessantes, quase todas marcadas pelo acinzentado da cor e pela escuridão dos telhados, deslizando numa inclinação por vezes semelhante à dos telhados dos pagodes, nunca ultrapassando os dois andares. Vim depois a saber que este tipo de casas - que aparecem ao lado de outras vias, em aglomerados maiores ou menores - é pré-fabricado. Mais adiante, entrou em cena uma longa sucessão de enormes edifícios industriais, ostentando, sobretudo, marcas internacionais, escritas em caracteres ocidentais. Já à chegada a Tóquio começaram a aparecer prédios de habitação, de vários andares, quase todos de tom sombrio - a marca acinzentada, já registada nas casas -, parecendo aglutinados de forma mais ou menos anárquica.

Viriam a explicar-me que, dada a escassez de espaço e a consequente carestia dos espaços destinados a habitação, estes são de medidas reduzidas, numa média de cerca de 60 metros quadrados. Curiosamente, a área mede-se por tatamis - os típicos tapetes feitos de palha de arroz e junco, com dimensões fixas,  de 90 cm por 1,80 m. Assim, a área dos apartamentos é ilustrada por número de tatamis que comporta: casa de 2, 3 ou 4 tatamis…

Para além das vistas, pude constatar a tranquilidade e civismo no trânsito.

Natureza, Tradição e Modernidade






Sem comentários:

Enviar um comentário