terça-feira, 4 de agosto de 2015

JOÃO LUAR




E era a lua. Deixou-se crescer para os lados, até se deter nas bordas duma circunferência. Parecia um prato de servir tartes, só que, em vez de tartes, servia luz. A luz espalhava-se e inundava o céu à volta, debruçando-se sobre a terra, sobre a parte de cima da terra. Assemelhava-se a gotículas, talvez pingos de chuva arrependidos de ser chuva ou lágrimas com vontade de espairecer. Reflectiam brilhos duma tal distância, de tantos impossíveis por alcançar! 
Sentei-me à sombra da luz. Usei protector lunar, de alto índice de protecção, não fosse pôr-me a uivar ou ficar muito branca, como as princesas, que, sem necessidade do sonho, só porque alguém sonhava por elas e lhes inventava uma história, eram presenteadas com magníficos príncipes, muitas vezes habilitados com longos doutoramentos em sapo e dotados de cabelos louros, esvoaçando sobre cavalos esbeltos, como modelos Armani ou Tommy Hilfiguer. Ah! e com olhos azuis, a combinar.
Depois desatei a sonhar, que voava, montada num aspirador, cuja função era sorver o ar, em enormes golfadas, para dentro da barriga. Desatava a alargar, a inchar, de tal maneira que se tornava leve como uma alma (não qualquer alma, nem todas são leves!), e começava a subir, a subir, a subir, até atingir as franjas do luar. 
Já com a superfície da lua ali à mão de semear, estendi um braço e alcancei um torrão, que se esboroou por entre os meus dedos, caindo por ali abaixo, aos trambolhões, no sentido inverso ao da minha viagem de aspirador.  Desceu e desceu e desceu e, lá muito longe, acabou por aterrar. Infiltrou-se numa chaminé, deslizou para a lareira e soltou um gritinho ao assentar, feito minion, formato pessoa, de pernas e braços e cabeça e tronco e tudo. E dois olhos enormes, com brilho deslumbrante. Escorregou para o meio da sala e encontrou-se nas mãos duma criança, que brincava, pois é isso que as crianças fazem. A criança não manifestou qualquer espécie de estranheza e logo baptizou o minion de João Luar. Porque as crianças sabem a origem e o significado das coisas, mesmo sem saberem. Depois, quando fazem estágio para adultos, viram isso ao contrário e passam a desconhecer, mesmo convencidos de que sabem. Quando aterram em adultos já não há nada a fazer. Resta, porém, a esperança do regresso dessa sabedoria, lá para quando estão próximos da hora da morte e resgatam a criança perdida, mas isso só acontece a alguns, os que se sentam à lua, com protector lunar. Ou mesmo sem ele.
Seja como for, a minha viagem continuou. Fiquei com pena de ter, acidentalmente, roubado aquele bocadinho de poeira lunar, quando o vi esboroar-se das minhas mãos para as profundezas. Ignorava onde iria ter e - mais grave ainda - tinha-o separado da sua natureza. Entretanto, o aspirador deixou-me rente ao solo lunar. Caminhei com cuidado, para não causar desgraças, não queria mais torrões de lua desperdiçados. Pisei diamantes, devagar. Fui ter a uma fonte donde corria prata líquida. E havia pérolas de caviar. E altos e baixos, lisos como cabeças de bonecos carecas, onde me pus a saltar e a escorregar, como se num escorrega gigante. Só que num desses saltos, descuidados, lancei-me com tal força que deixei as margens da lua e vim por aí abaixo aos rebolões. Cruzei-me com o João Luar. Ignoro como sabia que ele se chamava João Luar, mas percebi quem era, disse-lhe adeus, enquanto continuava na vertigem, contente por o ver de regresso.  À medida que me aproximava, ouvi o choro duma criança, reclamando, em desespero, aquele bocadinho de luar. Mal acabei de me estatelar, corri para ela e contei-lhe a minha aventura, sem esquecer ponto ou vírgula ou o mais pequeno nada. Tal qual ficou aí acima, nem mais nem menos. Pensei que ela ficaria contente, mas desatou aos berros, não se resignava a ter perdido o João Luar. Expliquei-lhe que o João Luar tinha regressado a casa, que é onde se regressa depois das maiores aventuras. Insistiu em berrar. Perdi a paciência e acordei de sonhar. 

(Há dias, quando fiz as fotos que seguem, ignorava que me iam desadormecer esta história...)













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