sábado, 27 de junho de 2015

ONDE A LEVARIA AQUELE VESTIDO-TELA?


Por vezes, acontece. Um simples traço, o brilho duma cor, talvez nada disto, e lá vem a evocação. Um vestido, numa repetição esporádica, de tempos a tempos, sem cadência ou razão certa, que se saiba. Sabe-se lá despertado por que pormenor (ou não, talvez não seja um pormenor...). Constava de três cores, azul, vermelho e branco, geometricamente separados, como se só assim pudessem conviver, o branco na parte de cima, o corpo, o azul na parte de baixo, a saia, e um cinto vermelho a rematar, na cintura descaída, a meio da anca. Linha direita, o tecido não era linho, nem seda, de resto não interessa nada qual seria. Sente-lhe a textura, como se ainda lhe envolvesse o corpo. Era fresco e macio ao toque, sem ser mole. Ah! e tinha manga curta, já se percebeu que era um vestido de Verão. Um vestido dos alvores da adolescência, que lhe vem à memória como convite repetido, embora não se saiba para quê (uma coisa a pensar). Partilhava a geometria do vestido-tela de Yves Saint Laurent, mas  num modo mais contido, sem o desacerto das linhas assíncronas, descoincidentes, e faltava-lhe o separador preto e o berro do amarelo, ainda bem, não gostava nada de amarelo, precisamente porque sempre lhe pareceu um grito, e não estava habituada a gritos - e, mais importante, já sabia, embora sem consciência, que a fronteira entre os sussurros e os gritos é tão breve como a espuma dum cappuccino, mas isso não é para aqui... Naquela altura, nem sonhava que existia um YSL, com o seu vestido-tela e o seu smoking feminino e outros clássicos mais, talvez ainda não tivesse ouvido falar nas telas da inspiração, dum tal Piet Mondrian. Não, seguramente. Nada disso importava, tinha o vestido chique, para exibir os seus recatados catorze ou quinze anos, para fantasiar deslumbramentos, com aquele fundo de inspiração que eram as únicas viagens da sua vida-até-aí de menina crescida - afinal, tinha brincado com bonecas até aos treze anos, embora já embalada num pensamento adulto. Enfim, contradições. As viagens à cidade que parecia Londres - Londres, o que era Londres? Não, ainda não lhe ocorrera Londres... - e às praias dos seus arredores, o lado chique - na altura esta palavra usava-se - dos meninos bem da Foz, nos seus impecáveis blazers azuis escuros e calças cinzentas, cabelos alourados, calculadamente espavoridos pelo vento, sobrevoando os descapotáveis de corrida, ou quase. Onde a levaria aquele vestido-tela

(Imagem obtida em pesquisa Google)






Sem comentários:

Enviar um comentário