domingo, 21 de junho de 2015

O ESTRANHO CASO JOSÉ SÓCRATES OU UM PAÍS DE M****


Antes de mais, uma declaração de (des)interesses: como bem sabe quem me conhece e, também, quem tem o hábito de passear por este blog, nunca nutri qualquer tipo de apreço pelo ex-primeiro ministro José Sócrates. Aliás, qual cãozinho de Pavlov, habituei-me a mudar imediatamente de canal, quando ele aparecia na televisão - embora deva reconhecer que criei tal condicionamento com o também ex-primeiro ministro Durão Barroso e assim prossegui com o actual primeiro ministro, ao menos até ter desligado em modo (quase) definitivo o comando da televisão. (Está bem, a esta altura, já estão a pensar que o problema é meu, que não gosto de primeiros ministros! Mas não, por favor não se precipitem, não gosto é de falta de qualidade, de verdade, de respeito e por aí...). Acresce que também não nutro particular simpatia pela nossa magistratura judicial e do ministério público. (Não, também não é embirração maníaca, é pensar, por exemplo, nas circunstâncias de arquivamento dos processos Freeport e dos Submarinos, na inconclusão - que se saiba! - dos processos do BPN, no adormecimento - que se saiba! -, de eventuais processos alusivos ao BES/Ricardo Espírito Santo, e, enfim, num extenso rol de casos talvez mais corriqueiros, mas não menos relevantes).
Vem isto a propósito do caso Sócrates, ou seja da investigação criminal que contra ele pende, nas condições que vêm sendo relatadas na comunicação social, congregando, em síntese, os seguintes elementos:
- Situação processual: detenção espectacular no aeroporto de Lisboa, apanhado à chegada de Paris, com direito a espera e escolta jornalística até às instalações do DCIAP, para ser interrogado, e donde saiu em direcção a uma cadeia de Évora, onde se mantém até hoje, em regime de prisão preventiva;
- Presumível objecto da investigação: alegada prática de diversos crimes, nomeadamente, o de corrupção;
- Presumível base (ponto de partida) da investigação: alegado (alto) nível de vida do visado, alegadamente sustentado por avultadas quantias de dinheiro, directa ou indirectamente entregues pelo seu reclamado amigo Carlos Santos Silva;
- Posição que terá vindo a ser mantida pelo visado: negação liminar das acusações; invocação do factor amizade e do título empréstimo, enquanto fundamento para as referidas entregas de dinheiro.
- Segredo de justiça: sistematicamente violado, com uma criteriosa saída para a comunicação social (através dalguns mídia) de sucessivas notícias sobre alegados factos novos contra o visado; em contrapartida, alegado défice de comunicação ou ocultação, à defesa deste, da matéria constitutiva desses (eventuais) factos novos.

Não pertencendo a nenhum dos clubes nacionais prontamente florescidos à sombra do caso, e que, nos seus extremos, confluem no atavismo duma absoluta condenação, um, e duma absoluta absolvição, o outro, o meu posicionamento (e creio que o de mais alguns portugueses) radica no interesse, da exclusiva ordem da cidadania, em saber se o (talvez) engenheiro José Sócrates, enquanto no exercício de funções políticas, praticou ou não qualquer acto juridicamente censurável, v.g., consubstanciador do crime de corrupção. 
Neste contexto e apesar de seguir este, por assim dizer,  folhetim jornalístico-judicial ou vice-versa quase exclusivamente - e, mesmo assim, en passant - pelas notícias da rádio (TSF e Antena 1), rendi-me a comprar a revista Sábado da semana passada, publicitada como trazendo factos novos, com os quais o visado teria sido confrontado no último interrogatório, com direito a transcrição integral.
E o que encontrei (para além da inadmissível e inqualificável transcrição duma peça processual em segredo de justiça)? Nada que me permita concluir pela existência de tais factos (enquanto susceptíveis de consubstanciar fundamento indiciário bastante para uma acusação minimamente sólida).
O interrogatório transcrito demonstra aparente incompetência de quem o preparou/conduziu, visto não se traduzir em perguntas rigorosas e concretas, mas antes no arremesso de questões genéricas, demonstrativas da falta de elementos materiais relevantes (ou da ausência de nexo de ligação entre os elementos apresentados e o interrogado). Ou seja, exceptuada a questão dos recebimentos de dinheiro do tal amigo - pelos vistos, a única que, por indesmentível (imagino!), admite, embora na inconcebível versão do empréstimo por amizade... -, não se confronta o arguido com qualquer sua acção concreta, em termos de configuração e circunstâncias de produção, que dele permita reclamar uma resposta igualmente concreta e circunstanciada. Daí que, completamente aberto o flanco, as respostas do mesmo venham embaladas naquela arrogância tão sua característica, a roçar o desrespeito pelo magistrado interrogador. Ora, é bem sabido que uma investigação competente e eficaz não pode basear-se, exclusivamente, numa confissão e, o que é mais, não pode esperar uma confissão (para mais dum arguido com as características reveladas por José Sócrates...), sem um mínimo de elementos indiciadores ou seja, desde logo, sem um interrogatório adequadamente sustentado e construído. Bem podem atirar-lhe com os negócios do amigo e do primo e de mais não sem quem no Algarve ou não sei onde, que a resposta dele sempre será a mesma, assim do tipo, e eu com isso? (à semelhança do interrogatório transcrito).
A quem aproveita, pois, o aparente conluio judiciário-jornalistico que tem acompanhado (se não construído) este caso? Só se me afiguram duas hipóteses (aliás, conexas) e, escusado será dizer, nenhuma do meu agrado: a) conseguir a condenação, em praça pública, daquilo que talvez se não consiga no meio próprio, os tribunais; b) instumentalizar a justiça em favor da política, no caso, dos partidos do governo (PSD/PP), em desfavor do seu concorrente no chamado arco governativo (PS). Em troca ou não de vantagens (como poderá ser um novo Estatuto do Ministério Público?).
Tudo isto é muito mau para o País! Tudo isto diz muito mal do País! E tudo isto abrange:
- Não se chegar a apurar a verdade sobre (em síntese) as alegadas entregas de dinheiro a José Sócrates, por parte de Carlos Santos Silva, sendo certo que ninguém, em seu juízo perfeito e na posse dum mínimo de senso comum, pode dar crédito à versão dos empréstimos, a título de amizade;
- Conseguir-se - como creio já se ter conseguido - uma condenação em praça pública, sem eventualmente, vir a conseguir-se na sede própria, os Tribunais;
- Instrumentalizar-se a justiça e a comunicação social (pior, ambas, em eventual conluio), para fins de proveito político-partidário;
- Corrermos o risco de ter de pagar isto muito caro se, como aparenta o célebre interrogatório transcrito, não houver matéria para sustentar uma condenação séria, e o cidadão José Sócrates resolver pedir uma indemnização ao Estado pela maneira como o seu caso tem sido tratado pela justiça.
Então, resta-me pedir aos senhores magistrados que se agarrem ao trabalho, investiguem o que devem investigar, e comprovem, duma vez por todas, a quem pertence, donde provém e a que título, o dinheiro canalizado por Carlos Santos Silva para José Sócrates. E que o façam depressa, para além do mais, a fim de poderem dedicar-se a outros casos igualmente prementes e pungentes, em que, à semelhança deste, também a suspeita de corrupção é gritante, como é o caso das eventuais luvas alegadamente pagas no caso dos submarinos

(Imagem obtida em pesquisa Google, alusiva a - e cito - Who Was That Lady? ... Uma bem divertida comédia de equívocos, sobre a verdade da mentira ...)


   

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