quinta-feira, 30 de abril de 2015

ALMAS LISAS


olho esta página em branco e sabes o que penso?, penso em como seria se as almas viessem assim, brancas, lisas, imaculadas, quando aterram ou são postas a carregar um corpo.
quando escolhem carregar um corpo, queres tu dizer?
não, não escolhem, tenho para mim que não escolhem, nenhuma alma em seu juízo perfeito escolheria carregar certos corpos, aguentá-los é outra coisa, aí já admito a hipótese de opção, mera hipótese...
então diz-me, para ti, que, quando muito e em casos restritos, apenas admites meras hipóteses, o que seria isso duma alma branca, lisa, imaculada, algum poema?
as palavras podem sempre arrumar-se em poemas, nada que eu não faça, de vez em quando, dá-me gozo e não me dá trabalho, é-me fácil e tem o toque da provocação, surpreender ou desvendar  pensamentos ou sentimentos ocultos nas asas de palavras que, postas de maneira diferente, nada seriam, simples franjas desgarradas dum qualquer dicionário...
divagas, sem me responderes à pergunta sobre as almas brancas, as tuas almas brancas, lisas...
... e imaculadas, eu sei. imagina a negação, não, a pré-inexistência da genética, uma alma sem um passado às costas e sem orientações para o futuro. sabes, quando estendes um lençol de linho sobre a cama e esticas, muito bem esticado, por mais liso que fique vai acomodar-se à marcas do colchão, as que por lá foram sendo deixadas, porque um lençol, seja de linho ou do que for, não é nenhuma abstracção.
queres dizer que as tais almas seriam pura abstracção?
não seriam, na realidade são! mero conceito, destituído de substância. aparência sem suporte de qualquer sombra ou ilusão de real, nada, portanto.
não são almas brancas, são incolores?
sim, são in, in qualquer coisa, quero dizer, inexistentes.
então de que cor são as almas reais?
variam, têm dias, por assim dizer, do branco ao negro, vai dos genes e doutras influências ou prisões, como queiras e te soe melhor.
do branco, disseste do branco, sempre há almas brancas?
não, não desvirtues o sentido das minhas palavras, isto não é nenhum poema, aí sim, podes imaginar e atribuir o sentido que quiseres, mas isto, não. isto que te digo, do branco ao negro, significa toda a variação cromática, em que o branco é, também ele, um in, a inexistência de cor.
e então um poema?

nas asas das palavras
adormecido
inerte
esquecido
abandonado
em paz
desinquietas-me
acordo-te
vens a mim
feito movimento
ressurreição
entrega
alvoroço
morre o sossego
entrega-se o poema à página em branco
liberta-se o poema na página em branco
entrega-se a alma ao corpo
encerra-se a alma no corpo

bonito, o teu poema!






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