segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

DAVID E GOLIAS?


E eu, que nem leio o semanário Sol, vi-me convidada a ler a opinião do respectivo director, José António Saraiva (JAS), de 2 deste mês, acerca da problemática grega (isto, em comentário ao penúltimo post deste blog - O Cachorro da Sr.ª Merkel -, em sede de partilha no Facebook).
Prometi, então, uma resposta, que agora me proponho apresentar, começando por sintetizar a dita opinião.
De início, JAS classifica de chantagem as pretensões do novo governo grego, desdobrando-a em dois aspectos, um político (ameaça de se aproximar da Rússia e de sair da NATO), o outro económico (previsão de cenário terrível para a Europa, em caso de saída do País da UE, pois a dívida ficará por pagar e o euro sofrerá um tremendo abalo).
Isto para referir que a chantagem da Grécia tem hoje menos condições de sucesso do que há dois  ou três anos atrás, porquanto,  nessa altura, Portugal e a Irlanda estavam sob resgate, encontrando-se a Itália e a Espanha em piores condições do que as actuais, situação que, no tocante aos dois primeiros, já se não verifica, sendo que os dois últimos estão com uma situação bem melhor; assim, a saída da Grécia, nessa altura, desencadearia um efeito dominó, com os mercados ao ataque de outros países mais frágeis do sul, coisa que hoje já não sucede, visto  aqueles dois terem terminado os programas de assistência com sucesso.

Para concluir que a Grécia, agora, está sozinha e a Europa em muito melhores condições para não ceder à sua chantagem, pois, se o fizesse, faria implodir o Euro, visto perder a legitimidade para fazer respeitar os limites impostos aos outros países em matéria de tratado orçamental; acrescendo que as  opiniões públicas dos outros países se recusariam a pagar para outros gastarem. Devem, pois, os gregos sair da zona euro e, eventualmente, da UE.
Adita que, ao votarem no Syriza, bem sabendo quais eram as opções deste, os gregos operaram uma revolução que, caso não resulte, com todas as consequências – incluindo a saída dos grandes e pequenos capitais do país, ou seja, a respectiva venezuelização –, desencadeará uma guerra civil – latente, aliás –, acabando numa ditadura militar.
Ora bem, devo confessar que fiz um enorme esforço para ler esta opinião de serviço; aliás, vai para dois anos que deixei de ver televisão, justamente para salvaguardar a minha sanidade mental, face aos opinadores desta espécie, que acabam sempre por dar a versão oficial e formatada dos factos, quais papagaios amestrados. Já sei o que vão dizer antes de abrirem a boca e falta-me tempo e, sobretudo, paciência para torrar com tal passatempo.

Passando à resposta: 

Em primeiro lugar, ao assumir/qualificar como chantagem a postura do governo grego, (porque) diferente da posição dominante da UE, comandada pela Alemanha e seguida pelos seus mais fervorosos adeptos, com o governo português (tristemente) à cabeça, JAS revela limitação de vistas e atitude antidemocrática, porquanto, implicitamente, está a recusar o direito  de outros – por acaso, um País (até ver) independente – pensarem e agirem de forma diferente da ditada por aquela posição dominante.

Por outro lado, se for consequente com esse seu julgamento, JAS não poderá deixar de considerar chantagista a preconizada reacção da Europa àquelas pretensões, aliás, por maioria de razão, visto a força do poder (incluídos os meios de solução do diferendo) pender, manifestamente, para o lado daquela  e não do governo grego.
Em segundo lugar, talvez fosse mais inteligente tentar perceber as razões da alegada chantagem grega, embora se reconheça que possa não convir a JAS, visto ser de molde a retirar o fundamento de tão simpático qualificativo. É que, na base das pretensões  do governo grego está a agonia do povo grego, aliás, provocada pelos sucessivos programas de resgate, comandados pela sede dos mercados e pela sanha dos que representam os respectivos interesses, ou seja os donos da Europa, com a  Alemanha da Sr.ª Merkel à cabeça (sem esquecer os seus mais subservientes seguidores, como é o caso do governo português, na ignorância e contra o interesse dos seus povos, que, todavia, têm o encargo – e a legitimidade formal – de governar).
Leva-me isto - e em terceiro lugar -,  a concordar numa coisa com JAS, em que o voto grego constituiu uma verdadeira revolução (nesta Europa submissa, rendida à tirania dos mercados, acrescento eu)! Todavia, para mim, a marca revolucionária reside no facto de, pela 1ª vez, o governo dum País da zona euro ousar confrontar o arco governativo da submissão aos interesses do grande capital e finança, para procurar defender os interesses mais elementares do seu Povo, ameaçados que estão pela violência do império dos mercados.
Em quarto lugar, quanto à afirmação de que Portugal – por economia, vou deixar a Irlanda de parte – terminou o resgate com sucesso, permito-me discordar, pela seguinte ordem de perguntas, de resposta negativa, baseada na realidade que me circunda e que todos os dias, duma forma ou doutra, me entra pelos olhos e pelos ouvidos dentro: o tecido sócio-económico do meu País está melhor? Os direitos fundamentais dos cidadãos portugueses estão salvaguardados? Note-se, a propósito, que os credores ainda não se mostram satisfeitos, empenhados em prosseguir na sanha de baixar salários e pensões, de aumentar despedimentos, enfim, de precarizar vidas, ou seja, de acabar de transformar os países da Europa do Sul – e principalmente aqueles que se lhes põem mais a jeito, orgulhosos da sua situação de bons alunos, caso (por infelicidade) de Portugal – na condição de reservas de asiáticos da Europa, enquanto os do norte veem (e bem) os seus direitos intocados e se arrogam (e mal) uma imoral superioridade sobre nós, os do sul, em particular, Portugal, como, por exemplo, uma conversa com portugueses imigrados na Alemanha, ainda que qualificados, permitirá revelar. Sim, o racismo não se circunscreve à raça, e a ideia de cidadão europeu, com identidade de direitos e tratamento, independentemente do País de origem, pura e simplesmente não existe.
Felizmente que os Países do Sul não se circunscrevem a Portugal, de tão brandas e mansas almas; temos os espanhóis aqui ao lado, a avançar em força com o Podemos.
Assim - e em quinto lugar - pergunto-me: terá JAS pensado nisto quando vaticinou a guerra civil grega?  Já pensou que outros povos oprimidos, ao menos os mais valentes, podem começar a lembrar-se de estar fartos e dispostos a experimentar novos caminhos ?
Pois talvez devesse pensar e retirar as devidas ilacções, ou seja, que a Grécia está menos sozinha do que estava há dois ou três anos atrás...
Já agora, dou-lhe um dado novo para pensar, o convite (que bem podia ter vaticinado, caso pensasse) que Putin se apressou a dirigir a Tsipras para visitar oficialmente a Rússia.
Está bem, na sua opinião, deverá tratar-se de novas chantagens, mas eu, se fosse ao JAS e, já agora, aos donos da europa e aos seus lacaios, esforçava-me um pouco mais para limar a arrogância e tratar os gregos como parceiros, em vez de continuar a humilhá-los.
Em  sexto lugar, também não me parece realista afirmar que a Europa nada tenha a temer com a saída da Grécia! Este processo, a ocorrer, seguir-se-á necessariamente doutros, até porque os mercados continuarão a apertar cada vez mais - veja-se, por exemplo, a recente exigência do FMI, de que, em Portugal, os salários e pensões sofram novos cortes... -, e os povos esmagados - e já sem grande coisa a perder - acabarão por não ter outra opção senão experimentar novos paradigmas que lhes restituam os mínimos de dignidade que civilizacionalmente era impensável que viessem a perder, como, infelizmente, tem vindo a verificar-se.

Dita a experiência que há pontos de não  retorno, e situações imutáveis é coisa que a história desconhece. Já repetições, não é o mesmo. Houve uma 1ª guerra mundial, desencadeada (ao menos em termos imediatos) pela Alemanha; uma 2ª guerra mundial, desencadeada pela Alemanha nazi; será que a 3ª guerra mundial vai ter a mesma autoria?
Na verdade não é apenas a Grécia que tem a perder com a negação das pretensões do seu novo governo; em contrapartida outros terão a ganhar com a vitória das mesmas, se assim o quiserem e lutarem por isso. Um deles, à cabeça, é Portugal (mas não no quadro de qualquer solução governativa emergente dos partidos denominados do arco governativo)!
(As duas imagens que seguem, obtidas em pesquisa Google, sugerem-me o seguinte título:
As garras da Europa)







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