segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A FESTA DA INSIGNIFICÂNCIA


A Festa da Insignificância, último romance de Milan Kundera, deixou-me o travo da decepção.
Diferentemente do sucedido com outras suas obras, em que o pensamento sobre a vida e a natureza humana se expande a par e passo com a narrativa das histórias, como se lhes servisse de interpretação ou explicação e os regatasse dum carácter algo datado ou preconceituoso - tema este, que poderia explorar-se, desde logo, a partir da visão ou do lugar reservado às mulheres... -, nada encontrei nesta Festa que me despertasse admiração ou sequer interesse, nem a escrita, nem as personagens, nem a história, nem o ponto de vista, bastante óbvio - não será novidade para ninguém que, neste mundo de aparências, tudo, especialmente o supérfluo que o alimenta e que, infelizmente, pode ser quase tudo, passa de insignificância...
De resto, mesmo para o Autor, não se pode considerar que esta ideia não surja já, aliás com uma expressividade e aprofundamento bem mais interessantes, em anteriores obras, como é o caso de A Imortalidade, estado que só através da ultrapassagem da insignificância alguns (poucos) atingem (v. O AMOR, ESSE IMORTAL, aqui publicado, em 26 de Setembro de 2013).
Também o recurso à intervenção de personagens históricos - neste caso, Estaline e sua corte, - é recurso já anteriormente usado, precisamente no livro citado - com protagonismo para o diálogo entre Goethe e Heminguay -, agora ao serviço da demonstração da morte do humor, tema ligado à insignificância, porque, justamente, é necessário estar acima desta para se ascender a uma visão irónica da vida…
Também a ideia da velhice como estado de ridículo, merecedor de vergonha, é recorrente de A Imortalidade, embora, neste último caso, transposta para o mundo masculino; os 4 personagens que compõem a história, são homens sexagenários, carregados do ruído da insignificância das suas vidas, (já) despidas de interesse, a que uns procuram fugir através da criação duma linguagem que os desidentifique dos demais, assim se isolando e passando ao patamar de observadores, outro, através da invenção duma morte anunciada, assim se erigindo à categoria de herói, e todos, através da aspiração ao encontro físico com mulheres que não lhes prestam qualquer atenção, único aspecto em que o paradigma Kundera parece modificar-se...
Enfim, dito isto, creio que o livro pode ser resgatado, se se entender que a insignificância de que é feito simboliza a insignificância que pretende ilustrar, o que, convenhamos, representaria o cúmulo da mimetização do sentido entre o pensamento e a escrita. Esta última asserção não é dotada de impertinência ou de cinismo, talvez seja antes e apenas uma tentativa de redimir um livro menos feliz dum autor que tão bem nos presenteou com obras que marcaram um tempo e continuam a merecer um lugar destacado nas estantes dos amantes da literatura europeia.

Resta esperar o próximo romance de Milan Kundera!
 
 
 
 
 
 
 

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