A Festa da Insignificância, último romance de
Milan Kundera,
deixou-me o travo da decepção.
Diferentemente
do sucedido com outras suas obras, em que o pensamento sobre a vida e a
natureza humana se expande a par e passo com a narrativa das histórias, como se lhes
servisse de interpretação ou explicação e os regatasse dum carácter algo datado
ou preconceituoso - tema este, que poderia explorar-se, desde logo, a partir da
visão ou do lugar
reservado às mulheres... -, nada encontrei nesta Festa que me despertasse admiração ou
sequer interesse, nem a escrita, nem as personagens, nem a história, nem o ponto de vista, bastante
óbvio - não será novidade para ninguém que, neste mundo de aparências, tudo,
especialmente o supérfluo que o alimenta e que, infelizmente, pode ser quase
tudo, passa de insignificância...
De
resto, mesmo para o Autor, não se pode considerar que esta ideia não surja já,
aliás com uma expressividade e aprofundamento bem mais interessantes, em
anteriores obras, como é o caso de A Imortalidade,
estado que só através da ultrapassagem da insignificância alguns (poucos)
atingem (v. O AMOR, ESSE IMORTAL, aqui publicado, em 26 de Setembro de 2013).
Também
o recurso à intervenção
de personagens históricos - neste caso, Estaline e sua corte, - é recurso já
anteriormente usado, precisamente no livro citado - com protagonismo para o diálogo entre Goethe e
Heminguay -, agora ao serviço da demonstração da morte do humor, tema ligado à
insignificância, porque, justamente, é necessário estar acima desta para se ascender
a uma visão irónica da vida…
Também
a ideia da velhice como estado de ridículo,
merecedor de vergonha, é recorrente
de A Imortalidade, embora, neste último
caso, transposta para o mundo masculino; os 4 personagens que compõem a
história, são homens sexagenários, carregados do ruído da insignificância das
suas vidas, (já) despidas de interesse, a que uns procuram fugir através da
criação duma linguagem que os desidentifique
dos demais, assim se isolando e passando ao patamar de observadores, outro,
através da invenção duma morte anunciada, assim se erigindo à categoria de
herói, e todos, através da aspiração ao encontro físico com mulheres que não
lhes prestam qualquer atenção, único aspecto em que o paradigma Kundera parece modificar-se...
Enfim,
dito isto, creio que o livro pode ser resgatado, se se entender que a insignificância de que é feito simboliza
a insignificância que pretende ilustrar, o que, convenhamos, representaria o
cúmulo da mimetização do sentido entre o pensamento e a escrita. Esta última
asserção não é dotada de impertinência ou de cinismo, talvez seja antes e apenas
uma tentativa de redimir um livro menos feliz dum autor que tão bem nos
presenteou com obras que marcaram um tempo e continuam a merecer um lugar destacado
nas estantes dos amantes da literatura europeia.
Resta
esperar o próximo romance de Milan Kundera!