sábado, 6 de setembro de 2014

COMO O PALHAÇO RICO

 
e ainda outra coisa, já há algum tempo venho notando que apareces sempre disfarçado. sim, podes perguntar que eu respondo, disfarçado de palhaço rico, sorriso fixo de orelha a orelha, rasgado na cal brilhante do rosto angular, duas pintas negras desenhadas a meio das pálpebras, uma na superior, outra na inferior, mesmo a meio do traço que podia cortar verticalmente os teus olhos, também negros, também fixos, presos naquele esgar de sorriso que não pode deixar de acompanhar o traço fino, de orelha a orelha. da roupa, a condizer, nem tenciono falar... está bem, se queres, também te digo, aquele fato de cetim branco (ou é marfim? talvez prateado ...) a expandir-se numas calças ridiculamente largas à altura dos joelhos, afunilando drasticamente, para terminarem nuns enormes e pontiagudos sapatos negros, também negros, de verniz, tudo brilhante, sim, essa insistência nos brilhos obtusos, como se qualquer demonstração precisasse disso para se demonstrar (ainda não percebeste que as demonstrações se demonstram por si próprias, dispensando a ilusão das aparências falsas?), tudo a condizer com a espécie de casaco ou jaqueta ou lá o que é, semeado de lantejoulas, mais brilho, mais engano, e é assim, já que insististe em saber. é claro que o cabelo escorre em gel, adivinha!, cheio de brilhos e separa-se ao lado, muito alinhado e composto, como tu, também tu apareces muito alinhado e composto, com o tal sorriso, como quem diz, sou feliz, cumpri o meu objectivo de vida, sou feliz. nem agora desfazes esse sorriso imposto, embora note uma alteração no teu olhar. sabes o que te digo, nesse teu percurso pelos circos..., o quê? não, não é isso, não te confundo com um palhaço, no caso, o palhaço rico, foi apenas um recurso, uma comparação de que lancei mão para me fazer entender, sei bem que não és um palhaço, e esta coisa do circo era apenas outra imagem, pretendia significar o teu percurso, todos nós temos um percurso, embora as mais das vezes nos julguemos estagnados ou repetidos em claustrofóbicos círculos, é o mesmo... quase me perco com todas as tuas interrupções, mas o que, finalmente, pretendia dizer-te era isto, apenas isto, não precisas de estar sempre a sorrir, vê lá se entendes que a felicidade não é o objectivo da vida, mas, quando muito, um objectivo para a vida. está bem, é óbvio que podes sorrir quando te apetecer, mesmo (ou sobretudo) quando não estiveres feliz, não percebo é essa espécie de sorriso fixo, alcandorado em mil brilhos. soa a tristeza. já disse. e não gosto de te ver triste.
 
mesmo quando não sou feliz?
 
 
 
 


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