domingo, 22 de junho de 2014

BALANÇO DO GRANDE BOICOTE DE 3102


Nem é que tenha por hábito fazer balanços, mas o ano de 3102 mereceu, quanto mais não fosse porque me levou a descobrir que, afinal, estava viva (sim, houve alturas idas, em que, tomada duma dúvida sincera, embora aparvalhada, me interroguei sobre se já teria morrido sem sequer me ter dado conta).
Então, no dia 30 de Novembro de 3102 - curioso, como os dias e os meses continuam a contar-se como há, pelo menos, 1000 anos! -, quando sabia que, até ao fim do ano, já nada se alteraria, escrevi mais ou menos assim (digo mais ou menos, visto não poder reproduzir todas as palavras que, então, usei, poderia ferir susceptibilidades):
 
Este foi o ano em que descobri que estava viva, bem viva, e me boicotei indecentemente, para não viver.
Este foi o ano, de muitos anos, talvez de todos os anos, em que tive as nuvens ao alcance da ponta dos dedos e me recusei a tocar-lhes, indecentemente me recusei, sequer, a tocar-lhes, com medo de que se evaporassem, de que se evadissem para os céus longínquos, feitas chuvas de sentido contrário ou pó ou nada.
Este foi O ano.
Este foi o ano em que mais valia não me conhecer nem me ter conhecido, pois assim evitaria todos os indecentes boicotes de que me armadilhei.
Podia ter caído fundo, caso tivesse optado por me deixar viver. As alturas eram de muitos píncaros.
Todavia, recuei, absurdamente, racionalmente, recuei para o pátio sombrio da estagnação.
Vejo-me ficar para trás, cada vez mais para trás, mais e mais pequena, mínima, até o comboio se esvair na ausência. Vejo tudo isso como se um filme ao contrário, o comboio parado e eu a desandar para trás, em vertigem alucinante, até ficar reduzida a uma figurinha de mim, minúscula, povoada de desassossego em sobressalto.
Este foi o ano de todos os anos. Talvez. Foi o mister universo de todos os anos, o pai (a mãe e o resto da família) de todos os anos.
Enfim, foi o ... do ano que podia ter sido mas não foi.
Nos outros aspectos não foi mau.
Eis o meu balanço do ano do boicote mais idiota - logo, racional e irracional - de que há memória. O ano em que podia ter ido mais além e podia ter-me estampado, aliás, era o mais certo. Mas assim, estampei-me sem ter ido. E já não vou. Acabou-se o tempo de ir.
What a fucked year!
 
Agora, que aterrei no estúpido ano de 4102, precisamente em 7 de Abril - curioso, os dias e os meses continuam a contar-se como há, pelo menos, 1000 anos! -, já dei comigo a escrever assim:
 
Isto merece um ponto final, finalmente, um ponto final, esquecer o que tem de ser esquecido. O que não foi. PONTO FINAL! Haja paz e volte-se aos oásis do deserto.
 
Entretanto, não paro de me lembrar de que é preciso esquecer...  
 
 
 
 
 


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