sexta-feira, 9 de maio de 2014

FEITA PETER PAN


Muita gente acha as crianças encantadoras, é, praticamente, um lugar comum. Eu também acho, a começar pela criança dentro de mim, que não há maneira de crescer, armada em ocupa, feita Peter Pan. Devo, todavia, reconhecer - arriscando uma incursão no politicamente incorrecto - que nem todas as crianças são encantadoras, há algumas  (poucas) deveras aborrecidas, parvinhas ou desinteressantes, excluídas as minhas e as vossas, como é óbvio...
 
Na primeira categoria, a das crianças encantadoras, ou seja a quase generalidade, incluídas as nossas, como é óbvio, há algo que muito aprecio, a saber, aquela maneira frontal, ingénua e, por vezes, também, cruel, imediata e triunfante, como opinam a nosso respeito, sem se preocuparem com as consequências, mas sem alterarem os sentimentos que lhes suscitamos. Assim e por exemplo, podem virar-se para nós com a maior das latas e dizerem, estás mais gorda, devias ir ao nutricionista, coisa que ninguém, pelo menos nenhuma mulher que se preze, gosta que lhe lembrem, até porque, para inimiga, já lhe chega a balança (acrescendo que, ou tem peso em excesso e não deixa de pensar nisso ou não tem peso em excesso, mas, ainda assim, acha-se gorda e não deixa de pensar nisso, como eu, na gloriosa época em que pesava 50 kg.; não convém acreditar nas gordas que dizem não se importar, pois, volta e meia, desmentem-se, pondo-se a dieta e mandando umas calorias a baixo).

Ora, apesar de proferirem tais enormidades - coisa que os adultos, cheios de manha e fingimento, não se atrevem a fazer - as crianças não alteram os seus sentimentos para connosco, por exemplo o afecto ou a cumplicidade, pelo facto de nos reconhecerem os defeitos impiedosamente imputados - diferentemente dos adultos, predispostos a não perdoar falhas, quanto mais não seja em nome duma qualquer competição.
 
Todavia, noutros aspectos, as crianças comportam-se como os adultos, por exemplo, fingindo-se desinteressadas quando lhes prestamos atenção, mas reclamando-nos atenção quando a desviamos para outro objecto.

Foi o que sucedeu há dias, quando vi uma menina de 4 ou 5 anos, acompanhada da mãe e da avó, à qual sorri, comentando, tens uma trancinha muito gira, ao que ela, rodando a cabeça, respondeu, tenho duas, acrescentando, por indicação da avó, obrigada, e remetendo-se, de seguida, à sua ocupação, que era abrir e fechar uma pequena sombrinha chinesa. Passado algum tempo, surgiu uma mãe, empurrando uma linda bebé rechonchuda numa cadeirinha, à qual não resisti a sorrir e a fazer adeus, no que fui correspondida por um gracioso sorriso, que muito me fez lembrar a minha sobrinha Inês, quando bebé. Trocados os sorrisos, voltei ao que estava a fazer - almoçar, numa esplanada - e deparei com a outra criança especada à minha frente, num sorriso tímido e expectante, como quem diz, estou aqui. Exactamente como certos adultos, que só dão pela presença das pessoas que lhes dão atenção quando vêem essa atenção pousar num novo destinatário. 

Enfim, foi este episódio que me levou a discorrer sobre o encanto das crianças, se é que não estive a discorrer sobre os adultos...

 
 
 

 

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