segunda-feira, 28 de outubro de 2013

ASSIM ME CONTOU


Sentia-se transparente

Invisível

Nada de palavras

Sons

Abraços

Risos

Porque desapareceram as palavras

Os sons

Os abraços

Os risos e os simples sorrisos?

Passava por uma ponte de vidro transparente

Escorregou, caiu

Precipitou-se na invisibilidade das águas do rio

Ninguém viu, ninguém acudiu

Tornara-se transparente, invisível

Concluiu

Assim me contou

Acreditei

Não vi razão para duvidar.


 
 
 
 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

DICIONÁRIO PARA LORPAS (2)

Há uns posts atrás - passado dia 8 deste mês - iniciei, nesta sede, o Dicionário em título, sem a promessa de lhe dar continuidade, pois isto de prestar serviço cívico à borla é causa a que não estou vinculada e podia não me apetecer retomar o assunto. Todavia, à semelhança doutros factos da vida, há atracções irresistíveis, que, volta e meia, dançam à volta dos meus neurónios, convocando-os a agir. Junto, pois, mais uns vocábulos ou expressões, com o intuito anunciado no precedente post, cuja espécie de introdução aqui dou por reproduzida.
 
Assim, de LORPA para LORPA - leitura desaconselhada a quem não for ou não se sentir lorpa - aqui vai:
 
  • PROCESSO FREEPORT:  EXPOENTE MÁXIMO DA CELERIDADE PROCESSUAL, visto se tratar duma investigação que foi tão rápida, tão rápida, que, apesar de ter estado pendente vários anos (4, 5?), não deu sequer tempo à audição do alegadamente eventual, possível e hipotético suspeito - desculpem a confusão, mas há coisas difíceis de explicar, porque não dão para perceber -, motivo que, também alegadamente, terá determinado o respectivo arquivamento (do processo, entenda-se).
  • PEDIR SACRIFÍCIOS AOS PORTUGUESES (no contexto que, para qualquer LORPA que se preze, dispensa explicações): ESPÉCIE DE PEDITÓRIO COERCIVO - passe a contradição nos termos - A QUE OS LORPAS NÃO TÊM MANEIRA DE SE ESCAPULIR, contrariamente aos NÃO-LORPAS, visto, v.g., não poderem sediar os seus rendimentos em offshores ou, por exemplo, na Holanda. Portanto, nada a ver com outros peditórios, como os da AMI, da Cruz Vermelha ou dos Escoteiros (eu sei, também se pode escrever com u), aos quais sempre é possível responder, sem risco de penhora de bens, qualquer coisa do tipo - agora não pode ser; de momento não tenho dinheiro comigoestou com imensa pressa, etc., sobretudo quando se desconhece onde os donativos vão parar, como é o caso dos inicialmente referidos. 
  •  GORDURAS DO ESTADOESPÉCIE DE GENTINHA QUE NÃO TRABALHA NEM NUNCA TRABALHOU NA VIDA OU, ENTÃO, TRABALHA OU TRABALHOU MAL E PORCAMENTE, ABREVIADAMENTE DESIGNADA POR  FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS E PENSIONISTAS. Diga-se, em abono da verdade, ter havido uns LORPAS que ainda admitiram tratar-se dum eufemismo para gastos supérfluos e abusivos, atribuídos, por exemplo, a vícios da gestão pública e, sobretudo, política, nomeadamente, com o sustento de várias frotas indesejáveis, seja de carros, seja de Boys, seja de etc. e tal. Mas não, essa espécie de celulite ou, mesmo, banha, crónica, não integra o conceito em análise. Definitivamente! Como o demonstra uma análise lúcida da realidade, em geral, e dos sucessivos Orçamentos do Estado, em particular.
  • CORTES PROVISÓRIOS (aplicados aos salários e pensões das categorias de gentinha identificadas no item precedente): REDUÇÕES SISTEMÁTICAS E DEFINITIVAS (dos salários e pensões dos mesmos). Cumulativamente, pode ser entendido como MANEIRA DE DAR MÚSICA AO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ou, ainda e cumulativamente, MANEIRA DESTE TRIBUNAL DIZER, ENGANEM-ME QUE EU GOSTO.  
  • CORTES DEFINITIVOS: REALIDADE. Também: CUSTE O QUE CUSTAR; AI AGUENTA, AGUENTA; TOMA LÁ QUE JÁ ALMOÇASTE E ESPERA PELO PRÓXIMO OE (em linguagem coloquial, respectivamente, política, banqueira e lorpa).
  • CONDIÇÃO DE RECURSOSFUNDAMENTO  DUMA DAS MAIS RECENTES MODALIDADES DE PEDIDO DE SACRIFÍCIOS AOS PORTUGUESES (v. supra). Tem a particularidade de se destinar a VIÚVAS E VIÚVOS LORPAS, CUJOS FALECIDOS CÔNJUGES DESCONTARAM, EM VÃO, PARA LHES ASSEGURAR UMA SOBREVIVÊNCIA MAIS OU MENOS DIGNA. Sinónimo da expressão, muito menos criativa, DOS MORTOS NÃO REZA A HISTÓRIA E DOS SOBREVIVOS TAMBÉM NÃO
  • CONDIÇÃO SEM RECURSOSCONDIÇÃO DOS LORPAS QUE NÃO HÁ MANEIRA DE ENTENDEREM QUE A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA ESTÁ AÍ, EM GRANDE ESTILO.  
  • REFORMA DO ESTADO: O MESMO QUE QUAL OU O QUÊ E QUANDO, SEGUIDO DE TRIPLO PONTO DE INTERROGAÇÃO. Sinónimo de ESTOU A VER QUE JÁ ERA (expressão coloquial lorpa).  
  • PORTUGAL: JÁ FOI; ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS (NEM PARA NOVOS).  
  • PPP: POUPEM-ME POR PIEDADE!
 
 
 
 
 

WORK IN PROGRESS

YES I TRY!
 






sábado, 19 de outubro de 2013

HANNAH ARENDT

Num mundo e, particularmente, num País em que as pessoas cada vez menos se dão ao trabalho de pensar - ou assim parece - é muito bem vindo o filme HANNAH ARENDT, um filme sobre o PENSAMENTO
 
Quando da 2ª Guerra Mundial, H.A., Judia alemã, conseguiu evadir-se dum campo de detenção - eufemismo para campo de concentração, utilizado pelos colaboracionistas franceses -  situado em Gurs, França, tendo-se estabelecido nos EUA, onde publicou, entre outras obras de filosofia política, As Origens do Totalitarismo, e onde leccionou em diversas Universidades.
 
Fez a cobertura do julgamento, em Jerusalém, do nazi Adolf  Eichmann, para o The New Yorkeratravés de cinco artigos - reunidos no livro Eichmann em Jerusalém.    
 
O filme trata, justamente, do pensamento então desenvolvido por H.A. sobre Eichmann e sobre a alegada colaboração de alguns líderes judeus com os nazis, bem como da forte polémica a propósito gerada no seio da Comunidade intelectual e, em particular, Judaica.
 
Em oposição ao pensamento dominante, H.A. não considera Eichmann como a personificação do demónio, antes o remetendo à condição da mais banal das normalidades, a do homem comum, zeloso e acrítico cumpridor de ordens, (logo) alheio à compreensão ou à consideração da fronteira entre o bem e o mal.  Portanto, um homem destituído de pensamento. E pertencente à categoria de homens que maiores males causam ao mundo.

Simultaneamente, quando, em sua defesa, explica as suas ideias, não deixa de reconhecer que o extermínio dos Judeus foi um crime contra a Humanidade (visto os Judeus serem humanos), do qual, mesmo sem o alegado colaboracionismo de alguns, não poderiam ter-se defendido.

Somos, pois, convocados a reflectir sobre o pensamento da Filósofa e daí eu ter começado por dizer tratar-se dum filme sobre o pensamento, desafiando, consequentemente, o exercício do pensamento.

A tese de H.A., eventualmente atraente na pureza da sua abstracção - enquanto produto puramente intelectual -, comporta, em meu entender, algumas lacunas e contradições.

Em primeiro lugar, a aceitação de que o cego cumprimento do dever, erigido em critério de referência do comportamento do homem normal, o verdadeiro burocrata, é de molde a obnubilar a capacidade de discernimento entre o bem e o mal, carece, em absoluto, de demonstração; aliás, se não num plano mais elevado - que nos levaria, por exemplo, às questões da ponderação do livre arbítrio e a outras mais -, ao menos no plano factual é, mesmo, desmentida, como o comprova, v.g., o facto de, dum modo geral, os nazis julgados em Nuremberga usarem como estratégia de defesa a distorção da realidade - extermínio dos Judeus -, com o objectivo de se demarcarem da mesma que, todavia, sem a sua acção conhecedora e esclarecida, não poderia ter ocorrido. Tal estratégia não será, por si só, o reconhecimento de que bem sabiam ter agido do lado errado da possibilidade de escolha, o do mal? Abro aqui um parêntesis para referir que um esclarecedor testemunho desta realidade pode encontrar-se em NUREMBERG DIARY, de Gustave Gilbert, psicólogo militar junto da prisão em que aguardavam julgamento os criminosos nazis julgados em Nuremberga. Aí são recolhidas as entrevistas e conversas informais que com os mesmos manteve, a par das suas notas pessoais.

Por outro lado, a tese de H.A., levada às suas extremas consequências, não deveria conduzir à total desresponsabilização social - mesmo esquecendo a pessoal - do tal homem normal - por cujas mãos, todavia e como acentua, se produzem os piores males do mundo? Seria isso justo ou sequer admissível? 

Não me parece, nem parece tratar-se de consequência aceite pela própria, já que, por um lado, afirmou ter ficado satisfeita com a condenação de Eichmann e, por outro lado, reconheceu  ter-se tratado dum crime contra a Humanidade. Caso para perguntar, um crime sem autores, um crime sem responsáveis?

Por outro lado, independentemente da sua bondade intrínseca,  afigura-se-me que certos exercícios puramente intelectuais - plano em que a mente, na sua plasticidade e habilidade, parece vocacionada para aceitar um infinito de teses e o seu contrário... - deverão, talvez, manter-se no resguardo dos seus pensadores, quanto mais não seja, por oferecerem a  susceptibilidade de branqueamento de horrores, que, nunca devendo ter assombrado a Humanidade, ao menos não convém que se repitam. E de horrores destes ou doutros já a Humanidade está farta ou deveria estar, caso pensasse ... com conhecimento e sentido da consequência.

Mas isto sou eu a falar. E não sou filósofa. Nem judia (tanto quanto sei).


Nota: Não conheço a obra da H.A., baseando a minha análise naquilo que captei do filme.  
 
 
 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

terça-feira, 8 de outubro de 2013

DICIONÁRIO PARA LORPAS (1)


ESPÉCIE DE INTRODUÇÃO
 
Quando penso que a minha capacidade de espanto já atingiu o limiar absoluto, volto a espantar-me! E é sempre difícil aceitar o fracasso dum novo limiar despedaçado.
 
Outro fenómeno que me atinge frequentemente é a consciência da minha crescente ignorância, como se quanto mais devesse saber, menos soubesse! Obviamente, também não é fácil de aceitar, ao menos para alguém como eu, para quem atingir a compreensão/conhecimento da realidade envolvente (humana ou não) constitui um anseio, vindo sabe-se lá donde e conduzindo sabe-se lá a quê, porventura a nada de importante, mas isso não é para aqui chamado.
 
E o que tem isto a ver com um DICIONÁRIO PARA LORPAS ? Tudo a ver!
 
Passo a explicar: de há uns tempos a esta parte, várias pessoas, eu incluída, temos vindo, se não a considerar-nos lorpas - por vezes, também - a admitirmos, como hipótese segura, que certas outras pessoas nos tratam como se o fossemos, aliás, em elevado grau, perdidamente lorpas. Estas outras pessoas, talvez melhor dito, personagens ou mesmo personalidades, reconduzem-se, sobretudo, à categoria dos chamados políticos, vocábulo que, embora indevidamente, se deu em aplicar aos governantes - indevidamente, porque, por regra, o conceito de política assume um significado demasiado elevado para designar as práticas a que esses senhores ou senhoras se dedicam -, mas também a outras categorias, como é o caso dos comentadores e dos banqueiros. Há mais, mas refiro-me, apenas, às óbvias.  
 
O citado tratamento por lorpas consiste na utilização intencional de certos vocábulos ou fraseados destinados a camuflar realidades desagradáveis - para não dizer dramáticas - que nos impõem, mas não estão interessados em assumir.
 
Também pode ser visto como um jogo parvo de enganar criancinhas, como quando se diz pica em vez de injecção ou coisas do género.
 
Então, como ninguém gosta - parece-me, mas posso estar enganada - de se ver tratado como lorpa - ou porque não o é ou porque, sendo-o, devia estar ao abrigo duma qualquer benemérita ONG, v.g., APPL, Associação para a Protecção de Lorpas - decidi dar-me ao trabalho de identificar os vocábulos ou fraseados de que falo acima e a estabelecer o seu real significado.
 
Faço-o com o intuito duma modesta contribuição para a erradicação do fenómeno de lorpização nacional, sem quaisquer fins lucrativos.
 
Tratando-se de matéria muito vasta, talvez haja continuação do trabalho agora iniciado, mas nada garante que assim seja, visto ter outras aplicações, bem mais interessantes, para o pouco tempo de que disponho. A ver vamos, pois, se ao 1 se seguirá um 2 e por aí adiante. 
 
Só mais uma coisinha: sob o ponto de vista alfabético, a ordem é puramente arbitrária, pois, como se compreende, estou condicionada pelo que vou ouvindo.
 
DICIONÁRIO PROPRIAMENTE DITO
 
  • CHOQUE DE EXPECTATIVAS (no contexto do próximo Orçamento de Estado, conforme utilização por sua exc.ª o senhor 1º ministro): REALIDADE DE CONFRONTO, geradora dum CHOQUE DO CARAÇAS (em linguagem coloquial lorpa) NOS DESTINATÁRIOS DAS MEDIDAS alegadamente destinadas à redução do défice, imposta pela corja de credores e pelo voluntarismo do governo, traduzidas, nomeadamente, em MAIS UM ASSALTO AOS TRABALHADORES E AOS REFORMADOS E EM MAIS UMA FORTE MACHADADA NA CLASSE MÉDIA EM VIAS DE EXTINÇÃO (ou já extinta, de todo, admito não estar 100% actualizada). Mas também susceptível de gerar esfregadelas de mãos e sorrisos marotos a suas excs.ª os senhores banqueiros nacionais, cujo financiamento, via grande parte do célebre (1º) resgate, está a ser pago pelos acima citados, lorpas. 
  • INCORRECÇÃO FACTUAL (no contexto das explicações dadas por sua exc.ª o senhor ministro dos negócios ... está bem, estrangeiros, a propósito da magna questão de ser - como, pelos vistos, era - ou não ser - como, pelos vistos, disse - sócio da fantasmagórica SLN): MENTIRA DESCARADA OU DO CARAÇAS (em linguagem coloquial lorpa), susceptível de fazer o nariz de qualquer Pinóquio ultrapassar as fronteiras da pátria Itália e chegar sabe-se lá onde ou de deixar desdentada a mais bem artilhada das bocas. Mas também e por isso, CAUSA DE DEMISSÃO IMEDIATA NUM PAÍS QUE NÃO FOSSE DE LORPAS.
  • FORMA MENOS FELIZ (referida ao pedido de desculpas apresentado pela mesma excelência ao Governo de Angola, pelo facto de, ao que parece, a justiça portuguesa ter uma investigação em curso sobre um ou mais angolanos, não sei bem): SUBSERVIÊNCIA DO ESTADO PORTUGUÊS, teoricamente democrático, FACE AO ESTADO ANGOLANO, também teoricamente democrático, em nome de desprezíveis interesses da alta finança luso-angolana, À REVELIA DOS LORPAS
  • VÍTIMA DUMA CAMPANHA (segundo alegação da mesma excelência, no contexto das críticas das oposições aos seus referidos comportamentos, pelo menos): CHAMADO A RESPONDER, CÍVICA, POLÍTICA E JUDICIALMENTE, SENDO O CASO, EM VIRTUDE DE ACTOS PRATICADOS NA QUALIDADE DE GOVERNANTE
 
 
 
 


sábado, 5 de outubro de 2013

"CAVALOS ROUBADOS"

 
Um sexagenário avançado (67 anos), após 3 anos à deriva, na sequência da perda dos seus referenciais humanos mais próximos, a mulher e a irmã, decide passar o tempo que o separa da morte (assim vê, realisticamente, a situação) no isolamento duma casa perdida num remoto bosque norueguês, frente a um lago.
 
A realização das obras de restauro requeridas pela casa é a tarefa que elege para si próprio, como quem precisa de aproveitar e, simultaneamente, de demonstrar as últimas forças. Ao mesmo tempo, vai reflectindo, com pungente lucidez, sobre a velhice. 
 
A sua ideia é a autonomia, a sua escolha, o retiro da solidão.
 
Enfrenta, pois, com desagrado a descoberta dum vizinho, um pouco mais novo, que lhe parece conhecer doutro tempo, como conhece.
 
Esse outro tempo remonta à adolescência, ao Verão dos seus 15 anos, passado na companhia do Pai - amado, admirado e emulado -, numa cabana perdida em remoto bosque norueguês, atravessado por um rio.
 
Circunstâncias de ordem vária, sobretudo de entreajuda, levam à aproximação com o vizinho, pretexto para uma tão nostálgica quanto vibrante revisão daquele período da sua vida e dos estranhos e intensos acontecimentos então ocorridos, em que ambos, cada um à sua maneira, são protagonistas relacionados.
 
E assim se vai construindo uma trama entre o passado e o presente, cuja malha é a das mais profundas emoções e da mais obstinada dificuldade na sua demonstração, como se, por exemplo, expor os afectos carregasse em si uma funesta consequência.
 
Nisto ele é mestre, ele, PER PETERSSON, de cujo livro CAVALOS ROUBADOS estou a falar. Já o tinha constatado ao ler MALDITO SEJA O RIO DO TEMPO  (como aqui testemunhei, em post de 20 de Agosto de 2013, intitulado, BLESSED BE PER PETTERSON).
 
O estilo é, também, idêntico, primando por uma escrita descritiva, tão viva quanto poética, que nos leva a desejar voar pelas páginas como quem rouba cavalos.
 
Enfim, mais um livro magnífico, profundo, envolvente e confirmativo de que a sensibilidade (no sentido do entendimento da emoção) não é um domínio exclusivamente feminino.
 



 
 
 

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

RABBITS


 
AROUND THE GIRL


 
THE DREAM OF A SUSPENDED RABBIT



 A SINGULAR RABBIT




quarta-feira, 2 de outubro de 2013

NOVOS JUDEUS? NOVOS NEGROS?

 
E se, de repente, um ser humano desatasse a varrer para o lixo as emoções que produz e com as quais não quer, não sabe ou não consegue enfrentar-se? E se, não satisfeito com tal acto de pura e dura rejeição, determinasse arbitrariamente, convicto dum qualquer insondável poder e artilhado com a ignorância das ignorâncias, a insensibilidade das insensibilidades e a brutalidade das brutalidades, que essas emoções deveriam ficar eternamente confinadas ao abandono do lixo para onde as varreu? E se, para cúmulo, se vangloriasse do seu acto, atribuindo-lhe como justificação, não querer ser contaminado pelas ditas e pretender  defendê-las sabe-se lá de que ameaças, coitadas, grande consideração?

Entendo que, se tal sucedesse, esse ser humano (?) só podia estar doido, completamente desfasado da sua própria realidade, parte da sua essência, pela qual é responsável e que necessita compreender para se compreender e poder interagir com os seus semelhantes. Tal comportamento estaria, em minha modesta opinião, muito para além da mais aterradora ignorância, insensibilidade, estupidez, arbitrariedade, maldade, como  se lhe queira chamar. Tratar-se-ia de loucura.

Então o que dizer duma sociedade que produz aqueles despojos humanos - todavia, não despojados de alma e humanidade - aos quais, mais ou menos clinicamente, convencionou designar de Sem-abrigo? Que se desresponsabiliza deles, ignorando-os, enxotando-os, varrendo-os para o pior dos lixos (para ser mais realista)? E que, para cúmulo, determina a sua criminalização e lhes estabelece zonas de interdição de acesso, como se fez, noutras alturas, não assim tão remotas,  por exemplo, aos Judeus e aos Negros? E que se fundamenta na protecção de valores sociais (?) e, cúmulo dos cúmulos, na própria protecção dos visados, que, com a aproximação do Inverno, podem morrer de frio?

Quem não saiba do que estou a falar, julgará que entrei em delírio. Pois não. No caso, infelizmente! As medidas acabadas de referir - criminalização e delimitação de zonas de interdição de acesso aos Sem-abrigo - acabam de ser decretadas pelo Parlamento Húngaro, logo, num País europeu, no seio da União Europeia, no seio dum mundo onde, quanto mais não fosse, eu julgava vigorar uma Declaração Universal dos Direitos do Homem e estar ultrapassada a fase da mais negra das barbáries.

Esqueci-me de responder à pergunta que eu própria formulei. Faço-o agora: uma tal sociedade só pode ter ultrapassado as barreiras da mais aterradora ignorância, insensibilidade, estupidez, arbitrariedade, maldade, como se lhe quiser chamar, à luz de qualquer critério racional e decente. Uma tal sociedade só pode estar louca, perigosamente louca.
 
Como o estará qualquer sociedade que não reaja adequadamente a uma tal provocação da loucura.

Calhou-me ouvir esta notícia, hoje, na TSF, em mais uma magnífica crónica (Sinais) de Fernando Alves.  Fiquei seriamente indignada e indisposta. E não podia deixar de me manifestar, ainda que só desta forma, visto não ter outra ao meu alcance.
 
Outros pensamentos me ocorrem.
 
Virá a lei a ser aperfeiçoada, mediante a criação de campos de concentração para os Sem-abrigo, onde os aguarda o destino que tocou aos Judeus, sob o alto patrocínio daquele louco e de todos os loucos que estiveram com ele e de todo um povo que se deixou ficar calado ou calar e de todos os outros povos que fingiram ignorar?
 
Quantos mais Martin Luther King(s), Nelson Mandela(s), Aristides de Sousa Mendes  serão ainda necessários para confrontar a loucura do mundo?
 
Também tenho uma resposta: a loucura do mundo só será erradicada quando todos e cada um de nós for MLK, NM, ASM ou alguns outros (não muitos) que, de tempos a tempos, conseguem marcar a diferença, quais desvios correctores no percurso evolutivo da espécie humana. Depende, pois, de cada um de nós!

Enquanto escrevo, estou sentada frente ao Tejo, escurece, quase 20H, as luzes já brilham na outra margem e dou comigo a pensar: a quantidade de água deste maravilhoso rio, mesmo junta à do oceano em que se funde e à de todos os oceanos da Terra, não representa mais do que a ínfima partícula duma lágrima, comparada com as lágrimas que já correram, correm e hão-de correr  neste mundo, ao menos enquanto se não erradicar esta forma de loucura, porventura a pior de todas.