domingo, 16 de junho de 2013

KENZABURO OE, UMA QUESTÃO PESSOAL


A sua leitura atingiu-me com tal intensidade que me vi compelida a escrever, na primeira página em branco do próprio livro:
 
“É a isto que chamo um livro PODEROSO e PERTURBADOR.

Trata-se de um profundo mergulho no cerne da mente humana, sem quaisquer desculpas ou contemplações.

Transcendendo o facto trágico sobre que incide – nascimento de um filho deficiente – aborda, de forma magistral, a amálgama de sentimentos/emoções, pensamentos/racionalizações, ambivalências e conflitos, de um percurso que se anuncia – e se vive - como de fuga, partindo da rejeição quase física, visceral, da realidade imposta, mas que, na vertigem do destino final, se quebra na resignação ou, pelo menos, na aceitação dessa realidade.

Tudo isto, com a força e o impacto de um murro continuado, que, na voragem da leitura, nos faz – me fez – sofrer a náusea permanentemente sentida pelo protagonista, Bird.”
 
À distância desse ímpeto de desabafo, cuja essência reafirmo, acrescentaria, agora e ainda, a riqueza advinda do facto de o palco dos acontecimentos se situar no Japão e de os protagonistas serem japoneses, o que oferece toda uma realidade cultural bem diversa e, por vezes, antagónica da nossa.

Esta diferença/antagonismo não deixa de marcar a perspectiva de abordagem, sobretudo ao nível (da forma, mas não só) dos relacionamentos estabelecidos – seja entre Bird e a sua amiga (companheira/impulsionadora de fuga ), seja entre aquele e a sua própria família ou os médicos que cuidam do seu filho.

Todavia, o núcleo essencial da mente humana, das emoções mais primárias às racionalizações mais elaboradas, é retratado sob um foco universal, que desconhece pátrias ou geografias.

Talvez porque, no hipotético desígnio dum hipotético Criador, o cerne da mente humana seja isso mesmo, universal.

Seguramente, porque o Autor, Kenzaburo Oe, sofreu, na própria carne, o nascimento de um filho deficiente, aliás, seu primeiro filho.

Ter traduzido essa vivência duma forma tão avassaladora é que já não era exigível!

Mas também não é qualquer escritor que recebe o Prémio Nobel de Literatura, como sucedeu com este, em 1994.

Já agora, o romance em causa intitula-se “Uma Questão Pessoal” e foi escrito em 1964 (embora, na minha opinião, pudesse tê-lo sido em qualquer época, pois a matéria que, tão humana quão brilhantemente, trabalha, para além de universal é intemporal).

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NOTA: Escrevi este texto em Abril de 2011, sob o título, "A propósito de um certo romance", no âmbito dum breve curso de Escrita Criativa; o objectivo do exercício era fazer uma crítica literária que suscitasse a leitura duma obra. Continuo a recomendar, vivamente, o livro em causa.



 

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