quinta-feira, 27 de junho de 2013

ABSTRACÇÕES


Qual será o resultado duma equação abstracta? Será 0 + 0 = 0?
 
 
 
 
 
 



 
 
 
 
 
 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

PERFEITA SUSPENSÃO


Contemplo as brumas do mistério

Silêncio

Perfeita suspensão

Não contempla o Criador a Criação?

Estabeleço a distância

Criando o abandono

Crio ausência

Deixo-a consigo

Entregue à perda

Criação

A Criação contempla-me

Do longe

Da distância

Do silêncio

Afogada nas brumas do mistério








(Estas fotografias, que fiz na Praia Grande, Sintra, em 1 de Dezembro de 2012, serviram de  inspiração ao texto, que aguardava sair das brumas do esquecimento há não sei quanto tempo)




terça-feira, 25 de junho de 2013

DIZ-ME!


O que diz o Mar?
O que dizes, Mar?
Soberbo, grave, poderoso
Espraias-te em margens próprias
Desenhadas por ti
Ultrapassas-te, permanentemente
Impossível conter-te no que és
Nem mais longe para onde voar
O que diz o Mar?
O que dizes, Mar?
Outro Mar, brilhando
Longínqua testemunha
Vais, voltas,
Eterno retorno
Chegar, partir
Partir, chegar
Repetição omitida
Não entendo o que diz o Mar
O que dizes, Mar?
O que diz o Mar?
O que dizes?
O que?
 
 
 
 
 
 
 
(Nota: Escrevi este texto na noite de 20 de Agosto de 2012, na Praia Grande, Sintra, com o mar em fundo;  Fiz as fotografias em 07 de Outubro do mesmo ano, também na Praia Grande)
 
 
 

sábado, 22 de junho de 2013

EU, ELES E O CINEMA


(Eles, aqui, são os portugueses, declarando-me eu apátrida.)
Quando vou ao cinema, faço-o com o estranho objectivo de ver um filme, num espaço simultaneamente anónimo e intimista, marcado pelo silêncio e a escuridão, assim uma espécie de templo de percepção, emoção e evasão.
(Não sei se me faço entender, mas agrada-me pensar que o Woody Allen entenderia, não fosse ele o magnífico criador de The Purple Rose of Cairo – 1985)
A qualificação, como estranho, desse meu objectivo, decorre duma análise de comportamento, a qual me leva a crer que, nas suas idas ao cinema, os portugueses não visam, própria ou necessariamente, ver um filme.
Pelo que tenho observado (e sofrido), sou forçada a concluir que eles vão ao cinema, acima de tudo, para:
a)    Comer pipocas e/ou
b)   Falar ao telemóvel e/ou
c)    Iluminar o visor do telemóvel (ou gadget equivalente).
Bem vistas as coisas, os portugueses não se limitam a comer pipocas, eles usam-nas como acompanhamento (quando não abafamento) da banda sonora dos filmes, com duas espécies de ruídos, em sequência cumulativa.
Então é assim: começam por revolver o conteúdo do balde, com ansiosa manápula (por vezes, várias manápulas ao ataque do mesmo), provocando o ruído anunciador, que se faz seguir de estrondosas notas de mastigação cavalar, susceptíveis de perfurar os tímpanos e estoirar com a paciência do mais pacífico dos espectadores, especialmente, em se tratando de mim, que, como já disse, vou ao cinema para ver um filme e, adito agora, nunca suportei bem esse tipo de rudes agressões auditivas.
Que o digam os meus sobrinhos, se ainda se lembrarem! Quando eram pequenos, se se dava o caso de mascarem pastilha elástica em estéreo, lá entrava eu, - então, meninos, está por aí algum cavalinho? Claro que o dizia com ternura, por serem quem eram e eu gostar muito deles. E o modo passava, de imediato, ao  silencioso, por entre sorrisos divertidos (deles e meu).
Ora, os consumidores de pipocas de que falo não são meus sobrinhos, aliás, não me são nada, nem concidadãos, pois, como comecei por referir, para efeito de situações como esta, não sou, definitivamente, portuguesa! Sou apátrida (nem sequer arrisco outra nacionalidade, não se vá dar o caso de lá também serem portugueses).
Por isso, nas salas de cinema, procuro o lugar em função da localização dos pipoqueiros. O princípio é, obviamente, quanto mais longe, melhor.
O pior é quando, estando já devidamente instalada e, quiçá, no decurso do filme, aparece alguém que, sabe-se lá porquê, talvez irresistível atracção, vem sentar-se perto de mim. E lá tenho eu de desempenhar o papel da malvada, levanto-me ostensivamente, dirijo o meu ar de desprezo n.º 1 ao inocente culpado (passe a contradição aparente), e procuro outro lugar.
Já alguns devem ter ficado complexados ou, sei lá, perplexos, a pensar que não regulo bem.
Agora os telemóveis. Apesar de (e contra os) pertinentes avisos, muitos portugueses recusam-se a desligar os TM, dos quais, suponho, se sentem mais próximos do que dos amores das suas vidas, ou têm os amores das suas vidas do lado de lá dos TM ou, então, não têm amores nas suas vidas, talvez seja mais isto.
E há-os de vários tipos.
Em primeiro lugar, aqueles que, se o TM toca, atendem para dizer que não podem atender, porque estão no cinema, mas, não vá ser o seu dia de azar e perderem a chamada da sua vida, ainda assim, não desligam o aparelho, deixando os circundantes numa inquietação permanente sobre quando explodirá o próximo toque. Esses, normalmente, falam baixo, mas não tão baixo que não sejamos obrigados a ouvi-los, pois, caso contrário, o interlocutor não iria perceber que estão no cinema …
Depois há os que atendem descontraidamente e sem moderação de tom, como se estivessem na sala lá de casa ou no café da esquina (por exemplo, - Eh! pá, tou aqui no cinema, a ver aquele filme ... e por aí adiante).
A uns e a outros, não me inibo de sibilar uns valentes chius, que, em regra, surtem efeito.
Existe, finalmente, uma terceira e não menos irritante variedade, a dos que passam a sessão obcecados com o ecran do TM, iluminando-o, pelo menos, de quarto em quarto de hora, espalhando aquela irritante claridadezinha pelos arredores, não sei se para verem e/ou enviarem mensagens ou, inclusive, para observarem as últimas fotos, se não para jogarem um joguinho qualquer.
A esses, definitivamente, tenho vontade de os esganar, até porque ainda não descobri como lidar com eles!
Já me ia esquecendo de mencionar um último fenómeno, também muito agradável, o dos portugueses que vão ao cinema com o objectivo determinado de pôr a escrita em dia (normalmente, grupos de três ou mais mulheres) e os que vão explicando ou comentando o filme entre si (normalmente, casais).
E, pronto, com estes portugueses, lá se vai a concentração e, com esta, vai-se a envolvência cinematográfica e, pior, as asas da evasão.
Enfim, vai-se tudo o que era suposto uma ida ao cinema representar. Ao menos, para mim e para o Woody Allen!
 
 
 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

VIVA A PLACA TECTÓNICA!

Sinto-me radiante com a notícia que ouvi há pouco na TSF: a da placa tectónica em formação (ou evolução ou desintegração ou lá o que é, não prestei grande atenção), que ameaça fazer explodir Portugal (ou qualquer coisa do género).
 
EIS, POIS, A SOLUÇÃO PARA A CRISE!
 
As reacções não se fizeram esperar:
    
  • O sinistro da volta ao mundo, Paulo Portas, prepara-se para anunciar, por intermédio dum betinho sombra, que tal fenómeno é fruto da sua laboriosa agenda internacional;
  • O 1º sinistro Gaspar insiste em que, mesmo assim, aumentar a austeridade dará melhores resultados;
  • O seu adjunto, Passos Coelho, concorda e aplaude;
  • O chefe, perdão, o paquete da oposição, António Inseguro, convoca uma conferência de imprensa para comunicar que irá pronunciar-se na devida oportunidade, pois o assunto requer adequada ponderação, acrescentando que não responde a perguntas;
  • O  Dr. Mário Soares reúne, de urgência (e antes que o Tó Zé possa pensar qualquer coisa para comunicar), um grupo de admiradores,  no Pavilhão dos Oceanos, porque pode tudo acabar num gigantesco tsunami;
  • Os troikos estão perplexos e interrogam-se, seiláseé ?  
Eis senão quando, um grupo de aplicados estudantes universitários, proclama, alto e bom som (com acompanhamento da tuna), que tudo não passa de um monumental erro de excel, assim desmentindo a prometida explosão e colisão com a Terra Nova.

OHHHHHHHHHH!

Lá se foi a salvação da Pátria amada (e nós com ela)!!!  
 
 

domingo, 16 de junho de 2013

ABOUT QUARTET

Sendo este "Quarteto" o primeiro filme realizado pelo Dustin Hoffman, é caso para dizer que instala em nós uma curiosa expectativa sobre o(s) próximo(s).
 
Trata-se duma abordagem elegante, leve (não ligeira), terna (não ternurenta) e divertida (nos limites da contenção que o melindre do tema impõe, ao menos numa sociedade como a nossa, ocidental).
 
O tema é, precisamente, a velhice, ou melhor (pior?), o envelhecimento, circunstância que, devendo, à primeira vista, ser encarado de forma tão natural como os restantes fenómenos da vida (o seu início - nascimento e infância -, desenvolvimento - adolescência e juventude -, estabilização - idade adulta - e fim - morte), acaba por o não ser, quer queiramos quer não.
 
E com alguma razão, atrevo-me a dizer, pois não será o envelhecimento, com a degradação física e, por vezes, psíquica, que envolve, a pior das traições que a vida, na sua proverbial generosidade e gentileza, faz questão de nos providenciar amavelmente (caso não nos force a uma retirada antecipada)?!

Mas isto sou eu a divagar, não que o DH se perca em aprofundamentos filosóficos ou em tónicas negativas, antes pelo contrário. Felizmente!

O tema surge, antes, enquadrado numa trama descomplicada e fluida, que termina ... (Ah!, não posso dizer, detesto ouvir o enredo de livros e filmes que ainda não li ou vi, aliás, nem leio críticas, ao menos previamente).

Vão ver, divirtam-se subtilmente e, depois, digam-me se gostaram, ok.?

Só mais uma coisa: um outro filme muito bom, verdadeiro exercício de imparável ironia, sobre a mesma temática, andou por aí em Julho de 2011, devendo agora habitar num vídeo club junto de si (não tenho qualquer comissão, apenas postei um comentário sobre o mesmo, em 31 daquele mês, com o título, "ABOUT GIANNI"). Chama-se "Gianni e as Mulheres".






 

KENZABURO OE, UMA QUESTÃO PESSOAL


A sua leitura atingiu-me com tal intensidade que me vi compelida a escrever, na primeira página em branco do próprio livro:
 
“É a isto que chamo um livro PODEROSO e PERTURBADOR.

Trata-se de um profundo mergulho no cerne da mente humana, sem quaisquer desculpas ou contemplações.

Transcendendo o facto trágico sobre que incide – nascimento de um filho deficiente – aborda, de forma magistral, a amálgama de sentimentos/emoções, pensamentos/racionalizações, ambivalências e conflitos, de um percurso que se anuncia – e se vive - como de fuga, partindo da rejeição quase física, visceral, da realidade imposta, mas que, na vertigem do destino final, se quebra na resignação ou, pelo menos, na aceitação dessa realidade.

Tudo isto, com a força e o impacto de um murro continuado, que, na voragem da leitura, nos faz – me fez – sofrer a náusea permanentemente sentida pelo protagonista, Bird.”
 
À distância desse ímpeto de desabafo, cuja essência reafirmo, acrescentaria, agora e ainda, a riqueza advinda do facto de o palco dos acontecimentos se situar no Japão e de os protagonistas serem japoneses, o que oferece toda uma realidade cultural bem diversa e, por vezes, antagónica da nossa.

Esta diferença/antagonismo não deixa de marcar a perspectiva de abordagem, sobretudo ao nível (da forma, mas não só) dos relacionamentos estabelecidos – seja entre Bird e a sua amiga (companheira/impulsionadora de fuga ), seja entre aquele e a sua própria família ou os médicos que cuidam do seu filho.

Todavia, o núcleo essencial da mente humana, das emoções mais primárias às racionalizações mais elaboradas, é retratado sob um foco universal, que desconhece pátrias ou geografias.

Talvez porque, no hipotético desígnio dum hipotético Criador, o cerne da mente humana seja isso mesmo, universal.

Seguramente, porque o Autor, Kenzaburo Oe, sofreu, na própria carne, o nascimento de um filho deficiente, aliás, seu primeiro filho.

Ter traduzido essa vivência duma forma tão avassaladora é que já não era exigível!

Mas também não é qualquer escritor que recebe o Prémio Nobel de Literatura, como sucedeu com este, em 1994.

Já agora, o romance em causa intitula-se “Uma Questão Pessoal” e foi escrito em 1964 (embora, na minha opinião, pudesse tê-lo sido em qualquer época, pois a matéria que, tão humana quão brilhantemente, trabalha, para além de universal é intemporal).

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NOTA: Escrevi este texto em Abril de 2011, sob o título, "A propósito de um certo romance", no âmbito dum breve curso de Escrita Criativa; o objectivo do exercício era fazer uma crítica literária que suscitasse a leitura duma obra. Continuo a recomendar, vivamente, o livro em causa.



 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

I., O MERCADOR DE POMBOS (V)

(conclusão)
 
Já em queda livre para o mergulho, ocorreu a I. que não sabia nadar (yo).
 
Prendeu o salto mesmo no último passo, dando consigo, em equilíbrio instável, debruçado sobre a superfície aquática, que lhe devolveu a imagem.
 
E que imagem!, corpo alto e musculado, coroado por um interessante rosto moreno, de olhar penetrante, expressivos lábios carnudos, fortes e longas mãos, enfim, qual verdadeiro prodígio de photoshop. Só faltava a tonalidade verde nos olhos, mas, convenhamos, também não se pode ter tudo.
 
Apercebendo-se, instantaneamente, de que tinha cumprido o sonho da visibilidade, contou até dez, não fosse o diabo tecê-las.
 
Ouviu, então, um  estrondoso bravo, vindo sabe-se lá donde, mas, seguramente, da voz de S., que aditou:
 
- Eu sabia que não és parvo, por mais determinado que estivesses, nunca chegarias ao ponto de te afogar! Nem, doutro modo, te teria ajudado, pois, para que servirias ao meu case study, caso fosses um fracassado?
 
Então é isso, pensou V. (obviamente, V.), sempre é verdade que não existem almoços grátis.
 
Mas nada disse, pois já se atarefava de volta da mala LV, curioso acerca do seu conteúdo.
 
S., aborrecido por não ter obtido resposta ou agradecimento, ainda advertiu, com certo azedume:
 
- Olha, já agora veste-te, não sei se reparaste que estás nu.
 
Por esta altura, já V. se enfiava num elegante e cool fato Armani e nuns confortáveis e very british sapatos (o underwear era Calvin Kline ) e olhava à volta, procurando um jornal desportivo e uma mulher sexy (não necessariamente por esta ordem).
 
Como não visse nem um nem outra, resolveu ir tomar café, dirigindo-se a uma boutique Nespresso que estava quase a fechar. Mesmo assim, a sorridente empregada, disse-lhe:
 
- Entre, entre, Sr. V., mas é só por ser para si.
 
E ele, muito convencido, entrou, vendo a cena repetir-se com uma bela e sofisticada mulher que surgira depois dele e se lhe dirigiu:
 
- Aqui fazem-nos sentir verdadeiras estrelas, não acha?
 
Em vez de responder - mor or less, V. rasgou um sedutor sorriso, respondeu afirmativamente e convidou-a para jantar, ao mesmo tempo que oferecia a mala LV à menina da Nespresso, por ela ser tão simpática e o café ser molto buono.
 
Tinha muito tempo para decidir como usar o cartão de crédito ilimitado sabiamente colocado num bolso do fato.
 
Uma coisa era certa, não estava nos seus planos voltar ao mundinho dos visíveis/invisíveis, pois, no sucesso do seu percurso tinham-se esfumado as ruminações de vingança - o que, não sendo habitual, lhe convinha sobremaneira, agora que (também) era um visível.
 
cartão de crédito ilimitado

 
 
 
 

quarta-feira, 12 de junho de 2013

I., O MERCADOR DE POMBOS (IV)

(continuação)
 
Tudo se tendo passado tão inesperada e rapidamente, I. ficou bastante atordoado e com uma enorme necessidade de por as ideias em ordem.
 
Afinal, quem seria, verdadeiramente, S.? Como teria conseguido vê-lo, a ele, um invisível? Como desvendara o seu secreto plano? Tratar-se-ia dum agente dos visíveis? Mesmo não o sendo, porque se propôs ajudá-lo, para mais, sem nada pedir em troca?
 
Demasiadas perguntas para nenhuma resposta, essa é que era essa!
 
Todavia, uma certeza tinha I., acima de tudo queria tornar-se visível, pouco lhe importando, agora, conhecer a razão da sua invisibilidade.
 
Uma certeza e um problema, o de não saber, exactamente,  como atingir o seu objectivo, pois era bem conhecida a inexistência de manuais ou livros de auto ajuda sobre como vencer a invisibilidade, e os visíveis guardavam, ferozmente, o segredo da sua natureza, razão do seu poder.
 
Ora, não sendo parvo, I. sabia que, sendo necessário, não seria suficiente  afastar-se do antigo mundo, como estava a fazer, para alcançar a visibilidade.
 
Assim, com a mesma determinação com que se lançara à estrada, acrescida do golpe de intuição que as circunstâncias impunham, decidiu seguir a indicação de S..
 
Não tinha outra hipótese senão alcançar o lago e, para isso, restava-lhe seguir em frente, concluiu. Afinal, fora assim que se vira perante S..
 
Renovada a serenidade e o ânimo, olhou em redor, com o intuito de desvendar algum sinal de orientação.
 
Viu, de imediato, uma pomba - visão que, felizmente, já deixara de ter havia muito tempo - saltitando apressadamente, com ar meio perdido. Sem qualquer espécie de dúvida, decidiu-se a seguir na direcção oposta à da ave, com a firme certeza de estar no caminho certo.
 
uma pomba saltitando, com ar meio perdido
   
E assim continuou, adoptando pistas identificadas por acutilante intuição, mas nem sempre de leitura ou significado inequívocos,  até se deparar com uma enorme  massa de água, deslizando até ele com ameaçador bruaá.
 
Nunca vira nada assim e ainda pensou que fosse o lago (também nunca antes vira um lago), mas, mesmo a tempo de suster o mergulho, lembrou-se da recomendação de S., um lago especial, rodeado de vegetação. Ora, não se vislumbrava por ali qualquer espécie de vegetação.
 
uma enorme massa de água
 
O seu coração bateu forte, tal fora o susto e o receio de, num segundo de precipitação, ter deitado a perder todos os esforços já despendidos, e eram muitos, mas, a pouco e pouco, lá se acalmou, retomando a rota de sinais que, estava certo, acabaria por o conduzir ao lago.   
 
Após muitos dias de cansativa marcha e pistas equívocas, que, por vezes, o faziam retroceder ou ziguezaguear, I. preparava-se para uma pausa quando foi, novamente, surpreendido por súbita aparição, desta vez, duma Zebra falante, que, sem ele nada perguntar e sem se apresentar, lhe disse:
 
- Não descanses agora. Caminha em frente e verás o lago, chama-se o Lago dos Pilares e é o lago especial, rodeado de vegetação, de que S. te falou. 
 
E, assim como apareceu, desapareceu, deixando I. de boca aberta e com energia renovada para alcançar o lago, o que, com meia dúzia de largas passadas, conseguiu.
 
uma zebra falante
 
 
o Lago dos Pilares
 
 
 
Iria I. ter coragem para mergulhar no Lago dos Pilares?
 
 
 
 
 

domingo, 9 de junho de 2013

I., O MERCADOR DE POMBOS (III)

(continuação)
 
A princípio, I. caminhava, com cautela, pela sombra, preferencialmente ao abrigo da mais densa vegetação, enquanto altas e velhas árvores trocavam entre si murmúrios de espanto, visto ser a primeira vez que, nas suas longas vidas, presenciavam a aventura dum invisível (as árvores, graças aos seus poderes místicos, sempre conseguiram ver os invisíveis).
 
as sombras (caminho escolhido por I.)


ao abrigo de densa vegetação ...



 murmúrios de espanto




Mas, à medida que avançava, ia-se sentindo cada vez mais confiante e descontraído, apesar de não saber bem qual o seu ponto de destino nem o que, verdadeiramente, iria encontrar.
 
As sombras e a vegetação frondosa começavam a escassear quando, abruptamente, surgiram umas escadas que I. desceu, sendo conduzido, com profundo espanto, a um mundo animado por belas cores e magníficas cantorias, não escondendo, todavia, um som de passos surdos, esmigalhando a areia do caminho.
 
  ... surgiram umas escadas
 
 
 um mundo animado ...
 
Distraído como estava, na contemplação deste novo mundo, I. assustou-se devido à súbita aparição, mesmo à sua frente, dum mágico armado de raios e estrelas, com ar altivo e ameaçador, que, sem rodeios, o interpelou
 
- Sei ao que vens ...
 
- Pois eu não, interrompeu-o, I.
 
- Não sejas mal educado, não me interrompas!
 
-Des ..., balbuciou I., logo sendo admoestado pelo mágico.
 
- Não ouviste? NÃO ME INTERROMPAS!, trovejou.
 
- Nem fiques com esse ar aparvalhado e medroso. Chamo-me Súbito, S. para os escolhidos, e estou aqui para te ajudar; queres saber porquê? 
 
(I. acenou afirmativamente, sem ousar pronunciar palavra, não fosse S. desatar em nova berraria e, inclusive, arrepender-se de o ajudar).
 
- Sei tudo sobre a tua vida, aprecio a coragem que revelaste ao abandonares a tua triste vidinha, tanto mais que não vou à bola com os da tua antiga casta, sempre tão queixosos e conformados, e, como expressão desse apreço, vou indicar-te a maneira de te tornares visível, teu secreto desígnio, como também sei.
 
E fez uma pausa, durante a qual I. ganhou balanço para, sem o risco de estar a interromper S., se lamentar:
 
- Mas eu deixei tudo para trás, já não tenho o pombal e, assim sendo, nada tenho com que lhe pagar o favor.
 
- Estou quase a arrepender-me - grunhiu S.-, parece que, afinal, não mudaste nada! Não te achas digno duma ajuda desinteressada? Achas que não mereces? Pedi-te alguma coisa em troca? Responde!, ordenou, em tom perentório.  
 
- Não é isso, não é isso, a verdade é que nunca recebi nada grátis - a não ser maus tratos dos visíveis, pensou, mas, esperto, não disse -, confirmando, aliás, o velho ditado de que não há almoços grátis, articulou I., acrescentando, com voz grossa e cabeça levantada, - E não precisa de falar comigo nesse tom altaneiro, pois hei-de conseguir o meu desígnio, com a sua ajuda grátis ou sem ela. E, já agora, qual é, concretamente, essa ajuda?
 
- Resposta certa, disse S., por entre uma estridente gargalhada. Não queiras saber porquê, limita-te a seguir as instruções ...
 
- Quais?, interrompeu I, em tom provocador.
 
- Caminhas mais um pouco até encontrares um lago especial, rodeado de vegetação; mergulha nele, conta até 10 e sai. Então ficarás encantado com o resultado e precisarás do conteúdo desta mala. Toma, é tua.
 
I. estendeu as mãos para receber a bela mala Louis Vuitton que S. lhe estendia e preparava-se para solicitar indicações complementares, quando, assim como aparecera, este desapareceu sem deixar o mais pequeno rasto. 
 
 
Súbito, o mágico

 
 
 
 Conseguiria I. descobrir, por si só, o caminho para o lago da visibilidade?
 
 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

I., O MERCADOR DE POMBOS (II)

(continuação)
 
Sendo invisível, I. não necessitava de usar roupa como a dos visíveis, mas, justamente pela mesma razão, quando na presença destes, via-se obrigado a fazê-lo, pois, caso contrário, dificilmente o detectariam (não obstante o arsenal de manhas e artifícios de que sempre dispunham).
 
Em tais ocasiões, após tomar um banho de corante, garantia de imagem aparente, vestia umas calças e uma camisola de gola alta pretas, calçava uns ténis da mesma cor, e punha-se a andar, apressada e nervosamente, sem sequer se ver ao espelho, objecto, aliás, de existência injustificada, em sua casa, dado a imagem da invisibilidade não ser, por natureza, susceptível de devolução.
 
É verdade que poderia aproveitar as montras para se mirar, mas, em virtude do  stress provocado pelos  encontros em perspectiva, sempre e só destinados às difíceis operações comerciais com os visíveis, nem tal lhe passava pela cabeça.
 
Aliás, nunca sentira curiosidade pela imagem, tal era a preocupação em mantê-la oculta, a salvo (coisa séria, isto de certos hábitos de defesa geneticamente estagnados por milénios de pausa evolutiva!).
 
o tipo de imagem obtida com corante e a ausência de espelho de I.
 
Escusado será dizer que os amigos de I. tinham umas vidas em tudo semelhantes à sua e, volta e meia, promoviam os chamados encontros do esquecimento - posto que destinados a obnubilar tão miseráveis existências -, onde circulavam bebidas em grande quantidade mas reduzida variedade, pois, como está bom de ver, só eram admitidas as transparentes e, mesmo assim, dada a falta de recursos, quase sempre baptizadas com generosas quantidades de água.
 
Assim se consumavam monumentais bebedeiras de ginágua, spritegin e outras (poucas) que tais.
 
Havia, também, as reuniões da queixinha, nas quais, ora à vez ora em coro, carpiam, miseravelmente, as suas mágoas, com lamentos e juras de vingança, mais lamentos que juras, nunca indo ao fundo das questões nem delineando qualquer estratégia redentora, visto gastarem toda a energia em infindáveis queixas.
 
Em trânsito duma destas reuniões para um daqueles encontros, I. deteve-se subitamente, como se atingido por estrondosa gargalhada de escárnio, e pensou: - eu penso, penso logo existo (pelo menos foi o que os meus genes já leram, em tempos), melhor, - eu penso,   penso, logo sinto, logo existo (pelo menos foi o que os meus genes já leram em tempos menos remotos). E até lhe veio à memória o nome dos autores daqueles conceitos, respectivamente, um tal René Descartes e um tal António Damásio.
 
E foi assim que, em lugar de se ter dirigido ao encontro do esquecimento, se aventurou por uma estrada nunca percorrida, determinado a vencer a sua invisibilidade ou, no mínimo, a compreendê-la.
 
Afinal ele existia (visto sentir e pensar), não era verdade? Era chegada a altura de pôr estes talentos a render.
 
Nada disse aos amigos (aliás, começava já a considerá-los antigos amigos), não fossem eles lançar-lhe as cordas urdidas pelo medo e conseguir retê-lo nas malhas da miséria.
 
a estrada por onde I. seguiu
 
 
 Iria esta estrada levar I. a bom porto?
   
 
 
 
 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

I., O MERCADOR DE POMBOS (I)

Era uma vez um invisível que vivia abaixo das suas possibilidades, as quais, de resto, não eram nada de por aí além. Et, pour cause, vira-se obrigado a reduzir, reduzir, reduzir, até no tamanho da casa e respectiva porta. 
 
Apesar de invisível, vestia-se de transparências, todo o cuidado era pouco, não fosse dar-se o caso de qualquer visível o detectar, exigir-lhe sabe-se lá o quê ou mesmo puni-lo, sabe-se lá como.
 
Impunha-se ter em conta que o seu mundo era governado, com mão de ferro, por visíveis, geneticamente habituados a correr com os frágeis invisíveis, sempre no receio de serem comidos por estes, coisa que, muito tempo antes, chegara a acontecer, não em consequência de maldade, mas de puro desespero.
 
a minúscula porta da minúscula casa de I.
 
Curiosamente, os antepassados do invisível, I., para os amigos, tinham pertencido à casta dos visíveis. Disso era testemunha o antigo palácio da família, guardado por rígidas grades, e, inclusivamente, servido por um aqueduto próprio, cautela e luxo que, como é bom de ver, não estavam ao alcance de qualquer um.
 
Mas esses tempos e glórias já lá iam havia muito e, com grande pesar de I., o palácio pertencia, agora, à deplorável categoria dos restos, tal como sucedia consigo próprio. Desabitado, abandonado, sem préstimo, mas, paradoxo dos paradoxos, com receio de ser ocupado.
 
antigo palácio da família de I.
 
I. geria um pequeno pombal, tirando algum lucro da venda de borrachos, iguaria muito apreciada pelos visíveis, que, todavia, lhe pagavam pouco e a más horas, nunca se mostrando satisfeitos com a mercadoria, ou por isto ou por aquilo ou, ainda, por aqueloutro. Pretextos nunca faltavam!
 
I. comia e calava, ou melhor, vendia, ouvia, desculpava-se e calava, assim tentando apaziguar tão avarenta e virulenta clientela.
 
Calava, é uma maneira de dizer, pois, verdadeiramente, não se limitava a omitir palavras de réplica, antes ia aprofundando tumultuosos sentimentos de incompreensão e de vingança, que, por calarem tão fundo, o deixavam exausto.
 
Descansava, então, num velho e descarnado banco de jardim, de assento invisível, como ele, pois, consoante já referido, não convinha provocar a atenção dos visíveis, já bastando as tumultuosas transações comerciais, essas, por absoluta necessidade, pois eram a fonte da sua sobrevivência.
 
As pombas, o negócio de I.

 
o banco de jardim em que I. ruminava vinganças



Iria I. continuar nesta triste vidinha por muito mais tempo?










terça-feira, 4 de junho de 2013

O DESEJADO

Será verdade? Finalmente resolveu-se a vir passar uma temporada connosco?
 
Desconheço, mas hoje apressei-me a aproveitar a sua sedutora visita, pois, não tarda nada, chega aí o Natal, e nós sem lhe termos posto a vista em cima.
 
Gostei que tivesse passeado pela minha pele, gostei de me ter deixado adormecer - especialmente porque, vá-se lá saber porquê, as minhas noites andam excessivamente povoadas de pesadelos e consta que o meu sono se traduz em dormir acordada, o que, por outro lado, sempre será melhor do que andar por aí a dormir na forma, digo eu - e gostei de registar algumas imagens - que, aliás, me permitiram descobrir as fantásticas potencialidades da antiga CASIO, anos depois de, alegremente, a ter substituído por uma (supostamente) mais performativa CANON...
 
Pronto, fico à espera que se mantenha por cá, pelo menos nos dias em que eu puder ir à praia (eu sei, eu sei, Vocês, Amigos/as, também merecem, estou, apenas, a brincar - embora seja certo que as praias meio vazias são muito mais simpáticas, não acham?).  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

domingo, 2 de junho de 2013

TUDO SERIA DE MENOS!

Todas as palavras seriam de menos para exprimir às Crianças, a todas as Crianças deste mundo e arredores, neste dia que é o seu (pura convenção, todos os dias são ou deveriam ser o seu) o quanto elas merecem ser amadas, acarinhadas e mimadas e de quantos e tamanhos votos de Felicidade elas são credoras.
 
Todas as palavras serão de menos para exprimir a dimensão do empenho que os Adultos devem colocar na atenção, educação e acompanhamento das Crianças.
 
Assim, dispenso-me de (mais) palavras e dou voz ao  movimento desta imagem, animado pela mais expressiva e alegre banda sonora que se pode desejar, a produzida pela algazarra de um animado grupo de Crianças em festa.

 
 
E deixo um beijinho especial para três Crianças que habitam o meu coração, a Inês, o João e a Quica.
 


sábado, 1 de junho de 2013

GRITO


Não gosto da palavra
Talvez do significado
Talvez das associações
Não gosto, não uso
Limito-me a descrever
Desamparada sensação de ausência
Profunda ausência
Descomunal peso da ausência
Ensurdecedora ausência
Cala tão fundo
Fere tão intensamente
Ausência do que nunca tive
Do que tive e nunca mais terei
Do que não tive nem virei a ter
Ausência do nada
Só pode ser ausência do nada, portanto
Sempre um não presente
Forma de nunca ou nunca mais
Um não determinante
Conformador de desesperado inconformismo
Não, não se trata de choro
(Como na palavra que não digo)
Grito preso, talvez
Pois, se gritado, abalaria o mundo
O lado de fora do mundo