sexta-feira, 29 de junho de 2012

ESSAS NOITES


À memória de meu Pai, que, hoje, completaria 100 anos



Como eram calmas, redondas e macias, essas noites
Deslumbrante o que nos contavas, a mim e ao meu irmão,
Cada qual pendurado numa das tuas lindas mãos,
Passeando pela nossa Rua D. Pedro de Meneses
A magnitude e composição do universo
Ilustrada, em grande plano e sem efeitos especiais, pelo traçado da lua e de milhares de estrelas
Cintilando sobre as nossas infantis cabeças
Era de astros e galáxias que falavas
Via láctea e demais constelações, Ursa Maior, Ursa Menor, Cassiopeia, Órion …
Eu, tranças lançadas para trás, olhos de chinesinha bem rasgados
Absorvendo tuas sábias e mágicas palavras, tão bem colocadas, surpreendentes, compassadas
Absorvendo, qual gulosa boca se deixa acariciar por morno chocolate derretido
Suspensão e deleite
Admiração
Do mesmo passo que, com a curiosidade e lógica da minha infantil idade,
Te perguntava, entre assombro e inocente desafio,
- Mas como pode haver estrelas maiores do que a Terra, se dentro dela moram?
Sorrias, sei que sorrias, secretamente, sorrias
Mas não era lógica, a pergunta?
Não se situava tudo o que existia- oceanos, montanhas, vales, rios … – a coberto dos limites da Terra?
E para além dela, nada?
As estrelas no firmamento, cravadas nesta capa terrestre,
Olhavam-nos lá do alto, mágico e esplendoroso brilho,
Só elas capazes de apagar as trevas
Que noites, essas, em que caminhávamos os três pela nossa Rua D. Pedro de Meneses
Por onde ainda mal passavam carros,
Portas da rua abertas, sossegado abandono
Brincadeiras na rua, em bando, até à hora de dormir
Mas não é disso aqui, nem hora, nem lugar
Aqui é de como nos descrevias as constelações
Uma, de sete estrelas, quatro em atípico quadrado e, a partir dum canto, mais três, jeito de pequena cauda
Costumava ficar acima do pombal, como se protegesse os pombos adormecidos
Parecia um papagaio, daqueles feitos de cana e papel de seda, tudo soldado a grude, predestinado ao voo, calhando, calhando vento de feição
Tão belas essas noites, era eu a tua menina, tão mimosinha - como disseste mais tarde, muito mais tarde, demasiado tarde -, ele, o teu menino
Noites essas, em que eras, definitivamente, o meu herói
Estrelas gravadas, para sempre, no meu coração e no meu espírito
E se a outra face disto, disto por cá, fosse um eterno voo livre entre galáxias, percorrendo, de ponto luminoso em ponto luminoso, esse infinito universo?
E se, nesse perpétuo movimento, calhasse encontrarmo-nos de novo, eu, a tua menina, tu, o meu herói?
Ainda melhor do que uma dessas noites, Pai!

(Escrito pelas três da madrugada de 26 de Maio de 2012, mesmo sem estrelas à vista, que o coração sabe bem ocultar os seus tesouros …)