segunda-feira, 23 de maio de 2011

OSTRACISMO

Ao chegar à Costa da Caparica, um pouco antes do cruzamento dos semáforos, reparei num enorme painel, anunciando um tal CANTINHO DA PAZ.
Distraidamente, pensei para comigo, olha, não sabia que já se fazia publicidade aos cemitérios!
Um olhar mais atento rapidamente me resgatou da distracção, elucidando-me sobre a verdadeira natureza da coisa; tratava-se, afinal, de uma casa de repouso ou lar da terceira idade ou lá como é que se deu em designar estes locais.
Mesmo assim, na minha cabeça, continuei a fazer uma leitura desviante, traduzindo cantinho da paz por vai morrer longe e não chateies.
E não consegui sair desta! Antes de mais, cantinho transporta uma conotação de ostracismo, de chega para lá, que, nem a pretensa doçura do diminutivo disfarça, antes revelando a típica falta de coragem de quem não consegue dizer, pura e simplesmente, canto. Já o da paz que se lhe segue encerra a ideia de quietude, no sentido de inacção.
Ocorreu-me, então, que o criativo inventor daquela designação merecia o prémio publicitário idiota do ano.
Na verdade, não estou a ver que alguém, lá por ser velho (ou, sobretudo por ser velho?), possa estar interessado em exilar-se, quieto, num qualquer canto. Isto, é claro, se estiver no seu juízo perfeito e, obviamente, se estiver vivo – na acepção introduzida por uma célebre VIP da nossa praça e que aqui cobra tão apropriado significado, segundo a qual, estar vivo é o contrário de estar morto.
Só depois, certamente num assomo de lucidez, pensei que, às tantas, o anúncio era dirigido, não, propriamente, aos velhos, mas às famílias dos velhos.
E, na minha cabeça, martelou, com mais força, a leitura vai morrer longe e não chateies, apesar de, como é óbvio, compreender que não foi esta a mensagem que o criativo pretendeu fazer passar …

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