terça-feira, 17 de maio de 2011

HIPOCRISIA

A sociedade civil deu em andar deveras amargurada com  a sucessão de notícias alusivas ao facto de vários idosos terem vindo a ser encontrados sem vida (para não dizer mortos), nas suas residências, semanas, meses e, pelo menos num caso, anos após a verificação das respectivas mortes.
Levantou-se o típico clamor de ai coitadinhos, ai coitadinhos, de como é triste terem morrido sózinhos, de ninguém se ter apercebido, e por aí fora, com mais ou menos choradinho.
Grande hipocrisia, é o que é!
Em primeiro lugar, esses casos só sucedem porque a dita sociedade não liga a ponta de um chavo a essas pessoas que, por uma razão ou por outra, vivem relegadas ao seu recolhimento, voluntário ou não. Mesmo quando o isolamento é mais notório ou, mesmo, público (caso dos sem-abrigo), as pessoas passam por ele como cão por vinha vindimada, cada um fechado na sua vidinha (sabe-se lá qual e quantos dissabores já comporta).
Assim sendo, qual a surpresa, porquê fingir tanta peninha dos que morreram ao abandono das suas solidões? Não era, porventura, esse, o desfecho esperável? Fez-se alguma coisa para o evitar?
A mim, a única coisa que me surpreende é que os corpos não sejam encontrados mais cedo, pois sempre acreditei que a difusão do cheiro a cadáver actuasse mais rapida e eficazmente.
Em segundo lugar, não vislumbro muito bem qual é o problema de uma pessoa morrer só; pelo menos, comparado com o de atravessar uma existência tão isolada que chega ao extremo de ninguém  se dar ao incómodo de manifestar um razoável interesse em saber se (ainda) é viva (já nem digo, se está bem). 
Por último, tenho para mim que a morte é uma experiência que se vive só, mesmo na hipótese de alguém estar por perto, porventura, segurando-nos a mão.

   

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